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Os sessenta anos da Sacrosanctum Concilium: A realidade litúrgica à luz da inteligência senciente de Zubiri

 Os sessenta anos da Sacrosanctum Concilium:

A realidade litúrgica à luz da inteligência senciente de Zubiri

The sixty years of Sacrosanctum Concilium:

The liturgical reality in the light of Zubiri's sentient intelligence

Carlos Milton dos Santos

Resumo

Por meio das celebrações litúrgicas da Igreja, os celebrantes participam do Mistério Pascal de Cristo, ou seja, da sua passagem desta vida pela morte para a glória eterna. Nos últimos anos, algumas transformações litúrgicas foram evidenciadas na Igreja Católica com a Sacrosanctum Concilium, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, promulgada em 4 de dezembro de 1963. Esse documento teve por intuito respeitar e incorporar a rica diversidade dos fiéis, convidando a plena participação de todos na celebração. A realidade da celebração e do culto na Liturgia Católica é composta por sinais, símbolos, ritos e preces, realizando uma apresentação contínua e completa da Palavra de Deus. Tendo como pressuposto essa realidade divina nos atos litúrgicos, esse estudo cogitou discutir os sessenta anos da Sacrosanctum Concilium à luz da inteligência senciente de Xavier Zubiri. Para este filósofo, sentido e inteligência são momentos de único ato, de tal modo que o sentir a realidade é intelectivo, e a inteligência é constitutivamente senciente. A Liturgia não é uma realidade alheia à experiência cristã, mas é uma sublime experiência, onde o corpo, a mente e a alma são lugares da inteligência senciente, seja no individual, no coletivo ou no próprio Deus.

Palavras-chave: Liturgia. Sacrosanctum Concilium. Xavier Zubiri. Inteligência Senciente.

ISSN 2595-9409

DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2023v6n12p218

PqTeo, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 218-233 jul./dez. 2023 219

Abstract

Through the liturgical celebrations of the Church, celebrants participate in the Paschal Mystery of Christ, that is, in his passage from this life through death to eternal glory. In recent years, some liturgical transformations have been evidenced in the Catholic Church with Sacrosanctum Concilium, the Constitution on the Sacred Liturgy, promulgated on December 4, 1963. This document was intended to respect and incorporate the rich diversity of the faithful, inviting full participation. everyone at the celebration. The reality of celebration and worship in the Catholic Liturgy is made up of signs, symbols, rituals, and prayers, performing a continuous and complete presentation of the word of God. Taking this divine reality in liturgical acts as an assumption, this study considered discussing the sixty years of Sacrosanctum Concilium in the light of Xavier Zubiri's sentient intelligence. For this philosopher, sense and intelligence are moments of a single act, in such a way that feeling reality is intellective, and intelligence is constitutively sentient. The Liturgy is not a reality alien to the Christian experience, but it is a sublime experience, where the body, mind and soul are places of sentient intelligence, whether in the individual, in the collective or in God himself.

Keywords: Liturgy. Sacrosanctum Concilium. Xavier Zubiri. Sentient Intelligence.

Introdução

Em um mundo tão diverso e plural são muitas as formas encontradas de se adorar a Deus. Essas várias expressões são chamadas de Liturgia, uma palavra original da língua grega, ou leitourgia, que significa, literalmente, o trabalho comum ou a ação do povo. Desde os tempos antigos, a Liturgia está enraizada nas religiões e ela inclui vários símbolos porque são através deles que a revelação é comunicada e a resposta da fé é articulada. Em seu uso cristão, a Liturgia significava o serviço público oficial da Igreja.1

A vida de fé dos cristãos é sustentada pela Liturgia e seus ritos, por suas formas e práticas, em que os fiéis são envoltos e sentem uma profunda devoção. Portanto, nenhuma outra ação da Igreja pode igualar sua eficácia pelo mesmo título ou no mesmo grau, evidenciando a importância dessa ação para o cristianismo. O próprio termo Liturgia tem uma aplicação mais ampla do que o de

1 AQUINO, F., Para Entender e Celebrar a Liturgia, p. 7.

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Sacramento, por abranger toda a vida pública oficial de oração da Igreja, enquanto o termo Sacramento se refere a uma celebração particular da obra de Cristo.2

Ao se falar sobre a renovação litúrgica nos últimos anos na Igreja Católica, é possível admitir e reconhecer a importância histórica do Concílio Vaticano II para uma atualização radical na Liturgia. O primeiro e mais importante documento para a Liturgia que o Concílio produziu foi a Sacrosanctum Concilium, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, promulgada em 4 de dezembro de 1963. Nesta Constituição encontra-se a articulação dos objetivos da reforma desejada pela Igreja e uma rica explicação sobre como esta nova compreensão do Concílio afetou a forma da Liturgia.3

De fato, quando o Concílio Vaticano II promulgou a Sacrosanctum Concilium (SC), tinha em mente que o Evangelho deveria chegar através da Liturgia a todas as culturas e meios sociais do povo. A Liturgia deveria ter um impacto na tradição das pessoas, caso contrário, o cristianismo ainda seria considerado um fenômeno estranho.2 Era essencial que essa reforma litúrgica resgatasse o mistério de Cristo e a história da salvação.4

Esse documento foi fruto de uma necessidade de propor uma Liturgia mais adequada às necessidades do mundo contemporâneo através da adaptação das celebrações para serem direcionadas ao presente e ao futuro. As mudanças e as renovações trazidas pelo Vaticano II são mais uma tentativa de trazer possibilidades de apontar a Igreja para algo novo, para respeitar e incorporar a rica diversidade dos fiéis, convidando a plena participação de todos na celebração.5

A realidade da celebração e do culto na Liturgia Católica, na qual a palavra é muito importante, mas também os signos, o espaço e todos os ritos, propiciando, portanto, a apresentação contínua, completa e eficaz da Palavra de Deus, que constantemente proclamada, torna-se uma Palavra viva e eficaz pela força do Espírito Santo, expressando o amor do Pai para com os homens.

Para Xavier Zubiri, filósofo e teólogo espanhol, o ser humano está inserido na realidade e não pode existir sem ela, a forma de acesso do ser humano à realidade é a inteligência, não logificada, mas uma inteligência senciente, que é congênere à realidade.6 Traçando um paralelo com a Liturgia, ao dar-se conta e vivenciar seu caráter experiencial, somos inseridos na estrutura da Realidade Divina. E, no desafio de aprofundar essa experiência na Liturgia, em particular na Eucaristia, contamos com um potencial evangelizador que é inseparável das outras

2 AQUINO, F., Para Entender e Celebrar a Liturgia, p. 7-17.

3 GALVÃO, A. de S., Do movimento litúrgico à constituição Sacrosanctum Concilium: uma nova visão teológica da sagrada liturgia, p. 34-56.

4 BUGNINI, A., La Riforma Liturgica, p. 13.

5 CARDITA, A. M. S., Reforma litúrgica para quê? Revisitando a Sacrosanctum Concilium, p. 34-37.

6 ZUBIRI, X., Inteligência e Realidade, p. 6-8.

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dimensões da evangelização. Desta forma, esse estudo aspira discutir os sessenta anos da Sacrosanctum Concilium, e a importância da realidade litúrgica à luz da inteligência senciente de X. Zubiri.

1. Os Sessenta Anos da Sacrosanctum Concilium: contexto histórico

O Concílio Vaticano II reuniu-se de 1962 a 1965 em quatro sessões: outubro-dezembro de 1962, setembro-dezembro de 1963, setembro-novembro de 1964 e setembro-dezembro de 1965. Dezesseis grandes documentos foram produzidos: duas constituições dogmáticas e pastorais, nove decretos e três declarações. As quatro principais constituições foram: Sacrosanctum Concilium, Constituição sobre a Sagrada Liturgia (4 de dezembro de 1963), Lumen Gentium, Constituição Dogmática sobre a Igreja (21 de novembro de 1964), Dei Verbum, Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina (15 de novembro de 1965) e Gaudium et Spes, Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno (7 de dezembro de 1965).7

O Vaticano II pode ser compreendido como uma resposta às mudanças da época, com vistas para a ratificação dos esforços do movimento litúrgico quanto a um ponto de partida para a renovação litúrgica. Acima de tudo, o que se percebe é que esse documento está envolto aos esforços da Igreja em inovar e resgatar as pessoas para a evangelização, portanto, um ponto crucial para a continuação e propagação do Cristianismo.8

Ao mesmo tempo que a Constituição valorizou aspectos tradicionais da Igreja, também permaneceu aberta às mudanças, buscando um equilíbrio crítico entre o passado e o futuro, logo, foi orientada para a vida humana, para o respeito pela pessoa humana, enfatizando o relacionamento entre clero e leigos, de modo a deixar no passado a ideia de que a Liturgia, a Missa, a oração eram apenas assuntos do clero, quando, na verdade, segundo a Sacrosanctum Concilium “nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro ou fiel, exercendo o seu ofício, a fazer tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas”.9

O Vaticano II representou também a reconciliação entre a Igreja e o mundo e teve a palavra italiana aggiornamento, ou atualização, como proposta-chave. A palavra foi empregada para significar uma nova forma de apresentar a fé ao mundo, para que ela possa ser compreendida e aceita mais prontamente e tornou-se a palavra central para o espírito a ser encontrado na implementação dos decretos e documentos da Igreja no Concílio Vaticano II.10

7 BEOZZO, J. O., Concílio Vaticano II, p. 55-74.

8 BEOZZO, J. O., Concílio Vaticano II, p. 55-74.

9 SC 28

10 ZATTI, D. D.; GOMES, T. de F., Concílio Vaticano II, Aggiornamento e diálogo, p. 2-10.

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O Concílio foi convocado pelo Papa João XXIII, em 25 de janeiro de 1959. Em sua abertura oficial, em 25 de dezembro de 1961, na Basílica de São Pedro, em Roma, e com a publicação da Constituição Apostólica Humanae Salutis, o Papa afirmou que o objetivo do concílio era o aggiornamento.11 Implementar a proposta do aggiornamento em todos os documentos conciliares foi um grande desafio, e muitos clérigos temiam que a chegada dessas mudanças fosse criar uma distorção nas tradições e nos ritos, mas o próprio Papa reafirmou que mudanças e inovações eram necessárias para renovar a missão da Igreja.12

Em 04 de dezembro de 2023, celebramos o sexagésimo aniversário da promulgação da Sacrosanctum Concilium, um dos documentos do Vaticano II, sobre a Sagrada Liturgia, e, que os Bispos Conciliares aprovaram por maioria, com 2.147 votos a favor e 4 contra.13 É relevante enfatizar que essa grande maioria na votação sobre a constituição foi fruto do movimento litúrgico que precedeu ao Concílio em, pelo menos, cinquenta anos e, que só obteve sucesso porque não cresceu isoladamente, mas sim, em conjunto com a renovação da Igreja promovida pelos movimentos bíblicos e ecumênicos, naquele mesmo período histórico.14

Nessa construção, o contexto histórico se mostra fundamental para compreender as aspirações e pressões que há muito irrogavam a Igreja Católica, que precisou enfrentar os problemas humanos do mundo, travando lutas para proclamar o Evangelho em meio a diferenças políticas, econômicas, culturais, religiosas e ideológicas.15

No cenário político, a Sacrosanctum Concilium foi promulgada, aproximadamente, duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, que afetou a situação política do mundo inteiro, trazendo reflexos também para a Igreja. Soma-se a esse cenário a ocorrência da Guerra Fria (1947 e 1991), conflito político-ideológico entre Estados Unidos e a ex-União Soviética (URSS), que foi uma grave ameaça à paz mundial. O Vaticano II também testemunhou o nascimento das Organizações das Nações Unidas (ONU) em 1945.16

Na dimensão econômica, o capitalismo ganhou força, caracterizado pela grande concentração de capital em certas regiões do mundo, e pelo impacto da desigualdade social resultante desse sistema. Os desequilíbrios socioeconômicos em diversos países ficaram muito evidentes, deixando exposto que grande parte das pessoas vivia na pobreza, enquanto uma pequena porcentagem das pessoas

11 BEOZZO, J. O., O Concilio Vaticano II, p. 42-45.

12 ZATTI, D. D.; GOMES, T. de F., Concílio Vaticano II, Aggiornamento e diálogo, p. 7-11.

13 BEOZZO, J. O., Concílio Vaticano II, p. 55-74.

14 BUGNINI, A. La Riforma Liturgica, p. 14.

15 SOUZA, N.; GOMES, E. de S., Os Papas do Vaticano II e o diálogo com a sociedade contemporânea, p. 7.

16 SOUZA, N.; GOMES, E. de S., Os Papas do Vaticano II e o diálogo com a sociedade contemporânea, p. 7.

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vivia uma vida luxuosa. O desenvolvimento econômico não alterou somente o padrão financeiro de vida das pessoas, mas promoveu a industrialização e a urbanização, que influenciaram no estilo de vida e a mentalidade dos fiéis.17

Os antecedentes eclesiais evidenciaram uma necessidade de libertar a teologia católica das estruturas filosóficas e teológicas escolásticas e interpretar a Boa Nova de forma dinâmica, chamando para novas formas e expressões sociais, pastorais e litúrgicas. Outro fator que também implicou profundamente foi a Reforma Protestante, propondo variedade e criatividade em sua teologia, principalmente no que diz respeito a pregar as boas novas e a motivar seus fiéis com uma linguagem espiritual atualizada e adaptada ao novo mundo.18

No mundo ocidental, a Igreja Católica também perdia espaço para as filosofias Védicas e Taoístas, que buscaram trazer aos seus adeptos novas formas de comunhão. Foi observado também que havia grande necessidade de cooperação entre clero e leigos para acompanhar os avanços seculares que o mundo estava presenciando naquela época. Havia forte necessidade de tornar a Liturgia mais dinâmica no sentido de proclamar a mensagem do Evangelho de Cristo para o bem e a salvação do homem moderno.19

A Sacrosanctum Concilium não é um documento que trata apenas dos aspectos externos do culto da Igreja, mas, das mais diversas formas inerentes à própria vida da Igreja, e traz consigo a remodelação mais inovadora do culto da Igreja que já se presenciou, visando ser dinâmico e profundamente envolvente em cada esfera da vida, promovendo uma autêntica e viva experiência cristã dos fiéis.

2. Inovações trazidas na Sacrosanctum Concilium

A Sacrosanctum Concilium teve uma recepção mista, em que os non placet argumentaram que a constituição introduziu mudanças ilícitas na Liturgia. De modo geral, ela foi bem aceita pelos magistrados do clero, demandando esforços e compreensões do documento para colocá-lo em prática conforme seus princípios e normas para a celebração da Liturgia.20

Tem-se como a mais importante contribuição trazida na Sacrosanctum Concilium o encontro da Igreja como Povo de Deus, “é por este motivo que a Igreja anuncia a mensagem de salvação aos que ainda não têm fé, para que todos

17 SOUZA, N.; GOMES, E. de S., Os Papas do Vaticano II e o diálogo com a sociedade contemporânea, p. 8.

18 SOUZA, N.; GOMES, E. de S., Os Papas do Vaticano II e o diálogo com a sociedade contemporânea, p. 9-10.

19 SOUZA, N.; GOMES, E. de S., Os Papas do Vaticano II e o diálogo com a sociedade contemporânea, p. 9-10.

20 BUGNINI, A., La Riforma Liturgica, p.16-18.

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os homens conheçam o único Deus verdadeiro e o Seu enviado, Jesus Cristo, e se convertam dos seus caminhos pela penitência”.21

Aqueles que buscaram uma leitura profunda desse documento, puderam compreender que possui princípios gerais que fundamentam a instrução do documento e a aplicação de suas normas nos Sacramentos. O primeiro deles é a centralidade de Jesus na Liturgia da Igreja, e o segundo é a ênfase na participação ativa, consciente e plena dos fiéis na Liturgia. Para que isso seja possível, os próprios clérigos devem estar devidamente formados na (e pela) Liturgia, e o mesmo deve acontecer com os religiosos, catequistas e outros agentes pastorais.

O primeiro princípio geral afirma que Jesus (Cabeça) está “sempre presente na sua Igreja, especialmente nas suas celebrações litúrgicas”,22 conduz o seu Corpo (os membros da Igreja) na glorificação do Pai, o qual é o objetivo principal da Liturgia. O segundo princípio geral, a participação consciente e ativa dos fiéis, é resultante do primeiro princípio. Se a Liturgia é uma ação de Cristo inteiro, cabeça e membros, os fiéis que assistem a Liturgia não podem ser espectadores, logo, a participação dos fiéis “é exigida pela própria natureza da Liturgia”.23

Fica evidente na Sacrosanctum Concilium os papéis dos membros da Igreja, tanto para clérigos, quanto para os fiéis, na participação na Liturgia, estabelecendo normas claras que todos podem entender e seguir facilmente, assegurando que “o povo cristão possa mais certamente obter uma abundância de graças da Sagrada Liturgia”.24

Entretanto, essa participação deverá respeitar as normas e o rito, já que as modificações na Liturgia podem encorajar a criatividade livre e descontrolada. Portanto, é importante salientar que:

A Liturgia compõe-se duma parte imutável, porque de instituição divina, e de partes susceptíveis de modificação, as quais podem e devem variar no decorrer do tempo, se porventura se tiverem introduzido nelas elementos que não correspondam tão bem à natureza íntima da Liturgia ou se tenham tornado menos apropriados.25

O apelo trazido por esse documento enfatiza Deus como o protagonista da Liturgia, e a Eucaristia como a fonte de toda a atividade da Igreja. Então, os ministros ordenados devem encorajar uma maior participação dos leigos nas celebrações através da formação litúrgica fundamental para que em suas respostas faladas e cantadas e nas proclamações possam enaltecer a importância das Escrituras. Possam também promover a inclusão social por meio de uma

21 SC 9.

22 SC 7.

23 SC 14.

24 SC 21.

25 SC 21.

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preparada homilia e restaurar as orações dos fiéis, especialmente nas leituras e petições. Assim,

a Liturgia, ao mesmo tempo que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito, até à medida da idade da plenitude de Cristo, robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostrar a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações, para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor”.26

Quando a Liturgia é celebrada de modo que todos possam participar adequadamente, as pessoas têm a primeira oportunidade de beber da fonte cristã primária para seu crescimento espiritual. Por meio da concepção de um momento litúrgico centrado em Jesus e na participação ativa, consciente e plena dos fiéis, a Sacrosanctum Concilium restaurou o encontro da Igreja com o povo através da Eucaristia. Afinal, “a Liturgia é o ápice para o qual se dirige a atividade da Igreja; ao mesmo tempo, é a fonte de onde brota toda a sua força”.27

De forma prática, na Missa, o Lecionário é organizado de modo a trazer a mensagem bíblica. Os ritos sacramentais e as celebrações dos sacramentos, juntamente com as músicas, complementam-se devidamente com a riqueza dos textos bíblicos. Não somente os fiéis são expostos a uma maior parte da Sagrada Escritura para a conhecerem melhor, mas cada comunidade tem a oportunidade de adentrar cada vez mais profundamente, em todos os níveis da pessoa humana, no grande mistério do amor transformador de Deus que a Escritura proclama na Liturgia. “Embora a Liturgia seja principalmente culto da Majestade Divina, é também abundante fonte de instrução para o povo fiel. Pois na Liturgia Deus fala ao Seu povo. Cristo ainda anuncia o Evangelho. Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração”.28

Salienta-se, nesta parte, que a Sacrosanctum Concilium traz consigo esforços para traduzir os vários textos litúrgicos para a língua de cada comunidade, vencendo os desafios de criar uma celebração litúrgica adaptada à cultura de cada povo. Conservando o latim como língua do rito latino, o Concílio apreciou a utilidade do uso da língua materna entre os diversos povos do mundo.

Dado, porém, que não raramente o uso da língua vulgar pode revestir-se de grande utilidade para o povo, quer na administração dos sacramentos, quer em outras partes da Liturgia, poderá conceder-se à língua vernácula lugar mais amplo,

26 SC 2.

27 SC 10.

28 SC 33.

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especialmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cantos, segundo as normas estabelecidas para cada caso [...].29

O que se observa na Sacrosanctum Concilium, claramente, é que a prática litúrgica está imersa em um contexto maior de mudança e pretendeu se tornar mais adaptável às forças complexas e concorrentes na Igreja e da sociedade nos últimos sessenta anos, enfatizando a participação consciente e ativa durante a celebração.

A Igreja chama cada um de nós à participação plena na Missa, tanto interior quanto exteriormente. Através desta participação, os fiéis “derivam o verdadeiro espírito cristão”.30 Ao dar-se conta disso dá-se lugar a um espírito de humildade no ato de situar-se diante do Criador em uma postura de adoração. A Liturgia, quando celebrada com reverência, tira do homem seus próprios interesses, e este fica maravilhado diante de algo já revelado e proclamado, um Deus transcendente imanente que deseja tanto a comunhão que veio habitar entre seu povo, trazendo a comunhão eterna por meio do Mistério Pascal, logo, “tanto a intelecção quanto a sensação são usadas durante a Liturgia, com sua rica trama de símbolos que afeta e gera experiências do sentido”.31

Nesse ponto, ocorre a interseccionalidade entre as propostas trazidas pela Sacrosanctum Concilium e a filosofia senciente do filósofo Xavier Zubiri,32 partindo do pressuposto que na Missa ocorre a apreensão do aspecto sensorial da humanidade, apelando para cada um dos sentidos de uma forma que unam a experiência física e as crenças espirituais, direcionando toda a capacidade do fiel para perceber Deus com mente, corpo e alma.33

3. Realidade Litúrgica à Luz da Inteligência Senciente de Zubiri

Quando a Sacrosanctum Concilium reconhece a necessidade de uma participação ativa de todos os membros da Igreja nos Sacramentos, o sentir e os sentidos se tornam fundamentais para a compreensão da experiência divina provida pela Liturgia. O “incremento e renovação da Liturgia é justamente considerado um sinal dos desígnios providenciais de Deus sobre o nosso tempo (...), e imprime uma nota distintiva à própria vida da Igreja, a todo o modo religioso de sentir e de agir do nosso tempo”.34 Para sentir Deus é preciso estar presente, é preciso viver de modo que a intelecção esteja presente na realidade. Essa linha de pensamento vem se conectar

29 SC 36.

30 SC 14.

31 AQUINO, F., Para Entender e Celebrar a Liturgia, p. 19.

32 PINTOR-RAMOS, A., Uma filosofia da religião cristã, p. 45.

33 COSTA, V. S., Catecumenado del Ritual de la Iniciación Cristiana de Adultos (RICA): un ejemplo de inteligencia sentiente, p. 3.

34 SC 43.

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com a teoria sobre a inteligência e a realidade da noologia de Zubiri, a partir de suas indagações filosóficas e teológicas.

Zubiri, no final da vida, terminou o seu “tratado” da inteligência com a Trilogia Inteligência Senciente (1980-1983) e, com este horizonte de pensamento, deixou questionamentos e reflexões para os problemas que afetam a sociedade moderna: a verdade, o homem, Deus, história, natureza, sentido, poder etc. Zubiri descobre na história da filosofia um contraste entre intelecção e sensação, que começa desde os primórdios da atividade filosófica, e observa que, “a inteligência humana não é pura inteligência. A sensibilidade humana constitui uma inteligência senciente”.35

Para Zubiri, não há um mundo próprio dos sentidos, um mundo sensível, e um mundo próprio da inteligência, o mundo inteligível, há apenas um mundo real, sua identidade, uma unidade no próprio ato de apreensão. Essa unidade consistiria no fato de que ambos os momentos, o sensível e o intelectivo, são conhecimentos e atos cognitivos. Embora sentimento e entendimento não possam ser identificados, também não podem ser dissociados, pois o “sentir e inteligir humanos não são dois atos numericamente diferentes, cada um completo em sua ordem, mas constituem dois momentos de um único ato de apreensão senciente do real: é a inteligência senciente”.36

“A atualidade pertence à própria realidade do atual, mas não lhe acrescenta, nem lhe tira, nem modifica nenhuma de suas notas reais. Pois bem, a intelecção humana é formalmente uma mera atualização do real na inteligência senciente”.37 O fenômeno da inteligência senciente se apresenta por três elementos essenciais: a apreensão primordial da realidade, logos e razão. Cada uma dessas dimensões permitirá ao homem vislumbrar a realidade a partir de três perspectivas radicais nas quais ela se expressa, e são três perspectivas que se articulam entre si.38 O fato de essas modalidades do ato intelectivo serem sucessivas significa que o modo racional implica o logos e a apreensão primordial, o logos implica a apreensão primordial, e que o processo inverso não é possível.39

A realidade se articula em unidade estrutural com os sentidos e amadurece intrinsecamente no pertencimento a um determinado sistema social,40 que, no caso desse estudo, é a atmosfera proposta pela Sacrosanctum Concilium. A princípio há a instalação básica na realidade, que dá a realidade pura e simples, ou seja, a apreensão primordial da realidade. Nesta fase, o homem apreende o mundo real que o cerca sem a capacidade de diferenciar os vários elementos que o compõem.

35 CAPONIGRI, R. A. A propósito de Sobre a Essência, p. 62.

36 ZUBIRI, X. Inteligência e Realidade, Prólogo liv.

37 ZUBIRI, X., Inteligência e Realidade, p. 13.

38 ZUBIRI, X., Estructura dinámica de la realidade.

39 ELLACURÍA, I., Uma abordagem da filosofia de Zubiri, p. 78

40 PINTOR-RAMOS, A., Uma filosofia da religião cristã, 53

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Em um segundo momento já é possível essa diferenciação, a diferenciação das coisas, nomeando-as e compreendendo sua relação mútua, ou seja, os logos, sendo sempre, como a inteligência do modo anterior, senciente. As coisas são, aqui, diferencialmente reais.

Finalmente, num terceiro e último momento, a razão, com a qual o homem pode explicar metodologicamente o que são as coisas e, porque são assim. É o mais alto nível de compreensão, o modo ulterior de intelecção. Embora se possa associar exclusivamente com ciência, como hoje a conhecemos, o conhecimento não é apenas ciência, pois muito antes as pessoas buscavam explicações para as coisas. Portanto, Zubiri entende que nenhuma forma única de compreender a realidade é exaustiva. A razão, como os dois momentos anteriores, é também e necessariamente senciente.41

Zubiri faz do primeiro desses três modos, a apreensão primordial da realidade, o mais importante, mas não suficiente. As coisas são reais na apreensão, mas para entender porque são reais já não basta instalar-se diretamente na realidade de forma pura e simples. Portanto, os três modos, inteligência senciente, logos senciente e razão senciente são indissolúveis e, como já foi dito, a intelecção é constituída por eles.42

O ato intelectivo do qual se tem uma apreensão da realidade não é algo separado do sentimento. Ao contrário de qualquer restrição dos sentidos, umas das primeiras afirmações de Zubiri a respeito do tema é que a inteligência está em unidade formalmente estrutural com o sentimento, ou seja, sentir e conhecer intelectivamente estão em uma unidade ativa de abertura à realidade.43 Para chegar ao modo de apresentação da realidade segundo os diversos sentidos, e ao modo de funcionamento da razão, é necessário analisar como se deu a abertura da realidade gerando o ato intelectivo.44

Em princípio, o inteligir está em unidade estrutural com o sentir, configurando a inteligência senciente.45 A inteligência está imersa em uma impressão da realidade, e o sentimento, os sentidos, constituem a própria inteligência do homem. Portanto, visão, audição, olfato, paladar, sensibilidade, cinestesia e demais modos de sentir constituem formas de apresentação da realidade.

Grosso modo, as coisas reais se dão aos nossos sentidos e à nossa inteligência. Todos esses sentires concebem a intelecção senciente, por meio dos modos que nos apresentam a realidade e como “ficam” em impressão de realidade.

Há ainda uma abertura transcendental deste algo outro, desde si mesmo para outras coisas reais, na mesma impressão de realidade. Esse caráter temporário da

41 ZUBIRI, X., Inteligência e Realidade, p. 202.

42 ELLACURÍA, I., Uma abordagem da filosofia de Zubiri, p. 89.

43 ZUBIRI, X., Estructura dinámica de la realidade, p. 69-70.

44 COSTA, V. S., Inteligência senciente e liturgia, p. 10-12.

45 ZUBIRI, X., Inteligência e Realidade, p. 27.

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própria inteligência senciente desde seu início estrutural indica o caráter dinâmico da inteligência que se reflete posteriormente no logos e na razão.46

Na Liturgia, o sentir significa e realiza a santificação do ser humano, vivendo a experiência de salvação de Deus, ela não é um conglomerado desordenado de “elementos e formas”.47 É uma totalidade completa, ordenada e organizada, inclui palavras, gestos, posturas, silêncio, cores litúrgicas, paramentos, arquitetura religiosa, iconografia, espaço, tempo e circunstâncias. Tem uma estrutura e peças que se encaixam perfeitamente dentro de seus atos sacramentais. A Liturgia também é interpretada como uma forma de culto, e, claro, a forma em si não garante a realidade espiritual do culto, mas também a falta de forma, que deve servir de auxílio aos fiéis no culto a Deus.48

Sentir é apreender algo que permanece impressivamente como formalidade de realidade. A função específica da inteligência é apreender as coisas como reais, senti-las e, portanto, o próprio sentimento é intelectivo.49 Sem o sentir, as celebrações litúrgicas serão apenas estéticas, feitas de acordo com leis tradicionais e de regimentos fechados, mas nunca celebrações autenticas e encaloradas. A arte de celebrar a Liturgia, ars celebrandi, é importante para a evangelização e não pode se resumir apenas à estética.

A verdadeira experiência espiritual consiste no convívio entre as pessoas por meio do testemunho de vida e da oração. É tudo sobre a Trindade de Amor, isto é, o amor de Deus comunicado por meio de Jesus Cristo no Espírito Santo. A pessoa toda é afetada pela ação litúrgica mediante gestos, olhares, vozes e atitudes, porque é o lugar físico da comunhão com a criação, com os outros e com Deus. As sensações corporais presenteiam a alma com a “sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42,1-6).

Deste modo, a visão de Zubiri sobre a realidade e a inteligência senciente pode trazer dinamicidade e promover a espiritualidade litúrgica por meio dos sentidos, pela presença do fiel e sua imersão no instante. A impressão da realidade é um ato de apreensão, realizado pela inteligência senciente, um ato único e completo, composto de dois momentos, o momento do sentir a realidade e o momento da intelecção da realidade sentida, em unidade formalmente estrutural.50

A constituição do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia expressa o amor de Deus como centro de teologia litúrgica, razão pela qual todos os fiéis devem ser levados a essa participação plena, consciente e ativa nas celebrações litúrgicas, que é exigida pela própria natureza da Liturgia, e que tal participação lhes advêm do batismo. Toda essa experiência de sentir a celebração corrobora

46 ZUBIRI, X., Inteligência e Realidade, p. 73-84.

47 GUARDINI, R., O espírito da liturgia, p. 12.

48 GONÇALVES, A. M.; BENETTI, F., A importância da “inteligência senciente”, de Xavier Zubiri, para a apreensão da realidade litúrgica, p. 17.

49 ZUBIRI, X., Inteligência e Realidade, p. 35.

50 GONÇALVES, A. M.; BENETTI, F., A importância da “inteligência senciente”, de Xavier Zubiri, para a apreensão da realidade litúrgica, p. 19.

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com as renovações da Sacrosanctum Concilium quando ela propõe que os ritos sejam simplificados, tendo o devido cuidado para preservar suas notas essenciais, conforme possa parecer útil ou necessário.

Não se deve participar das celebrações litúrgicas letargicamente, como momento e lugar em que algumas pessoas apenas estão por estar. Ao invés disso, mantendo a ordem e o rito, deve-se promover a participação plena, suscitada pelos sentidos e, por meio da qual a apreensão da beleza da realidade litúrgica nos leve a estar com Deus e em Deus. A constituição não reduz a “participação ativa” a um mero envolvimento ocasional ou intencional, mas pressupõe a participação em Cristo, na obra divina, pela qual ele se oferece.51

Portanto, a Liturgia é apresentada como o tempo e o espaço da manifestação mais concreta do mistério do amor de Cristo que se atualiza para que os homens de todos os tempos possam participar dela como seus contemporâneos e serem santificados e unificados. Sentidos e inteligência não são duas faculdades diferentes, porque agem juntas, e ambas se afetam. A faculdade humana que apreende na vivência dos atos litúrgicos se dá pela união dos sentidos com a inteligência, contudo, a concebem por meio da inteligência senciente.52

Mais do que apenas ensinar a doutrina, a moral ou os valores cristãos, as mudanças trazidas pela Sacrosanctum Concilium foram uma oportunidade de resgatar o mistério de Cristo e a história da salvação53 e devem ser um caminho para um verdadeiro encontro entre os fiéis e com Deus, um tempo de proclamação da Palavra poderosa e de diálogo entre Deus e o seu povo.

Conclusão

Na Liturgia, existe uma realidade profundamente sagrada que permite ao fiel redescobrir o Mistério Pascal. A participação nessa realidade requer a compreensão de um processo de fé gradual e estruturado em um itinerário que implica uma vivência da espiritualidade nas celebrações. Ainda que seja tema de discussão quase sessenta anos após a sua promulgação, a proposta central da Sacrosanctum Concilium foi compreender e sustentar que os sacramentos vão muito além dos ritos, são experiências vitais que se prolongam no tempo como história de salvação e memorial de esperança alicerçada em sinais relevantes para os fiéis.

O simples fato de o fiel estar presente na celebração é a prova física da presença de Cristo como atualidade corpórea, na qual o ser humano não é apenas

51 LIMA, J. S., A Transcendentalidade da essência da liturgia na metafísica zubiriana, p. 8.

52 COSTA, V. S., Catecumenado del Ritual de la Iniciación Cristiana de Adultos (RICA): un ejemplo de inteligencia sentiente, p. 5.

53 MACIEL, T., O Espírito na liturgia, p. 319-324.

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uma realidade individual, mas social, e histórica. E que deve assumir a realidade e o faz por meio da inteligência senciente e, de suas ações, seu agir moral. A visão da realidade e a inteligência senciente da filosofia de Xavier Zubiri apontam não somente para uma fé viva, ativa e de atos conscientes, mas para uma experiência transcendental, na qual ocorre a extensão da Encarnação, pois através dela, os seres humanos são unidos à vida de Cristo, implicando em um só corpo, uma só realidade. Portanto, a presença real de Jesus Cristo na Liturgia ocorre no âmbito da fé, e pode ser vivida com uma entrega total, corpo e alma integrados, com o sentir intelectivo ou o inteligir senciente, em unidade estrutural.

Sessenta anos após a promulgação da Sacrosanctum Concilium, o Papa Francisco ainda enfrenta os problemas de uma controversa recepção dessa Constituição sobre a Sagrada Liturgia. Apesar do documento corresponder perfeitamente com a inteligência senciente aqui apresentada, alguns celebram interferindo demasiadamente na estrutura do rito, e outros, rejeitam o rito ordinário e até mesmo o próprio Vaticano II, o que fere a unidade. Como resposta, Francisco promulgou duas Cartas Apostólicas com o propósito de restabelecer a unidade da Liturgia da Igreja de rito romano, que são: Tradiciones custodes e Desiderio desideravi.

Assim, fica evidente a necessidade de uma formação litúrgica para todo o Povo de Deus, que conte com a contribuição da inteligência senciente da filosofia zubiriana. Contudo, o tema é amplo e este pode ser um assunto a ser aprofundado num próximo artigo.

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Carlos Milton dos Santos

Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo/ SP – Brasil

Email: carlosmiltonm@gmail.com

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