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Bem-aventurada Ângela Foligno

 




Bem-aventurada Ângela Foligno

            Ângela nasceu em Foligno a três léguas de Assis. Casando-se muito jovem, apaixonou-se de tal sorte pelo mundo e por suas loucuras que, esquecendo os sagrados deveres de esposa e mãe, caiu os desvarios de uma vida criminosa.

            Impelida certa ocasião pelo remorso, dirigiu-se ao tribunal da penitência, mas, obedecendo a um errôneo pudor, deixou de relatar as suas mais graves faltas, animando-se a aumentar esse sacrilégio com uma comunhão sacrílega. Daí em diante, nunca mais teve sossego, agitada dia e noite por cruéis remorsos, só depois de uma confissão perfeita, aquela alma torturada pode antever as delícias da paz.

            A partir desse momento, Ângela dedicou-se à viva e profunda compunção, que deveria conduzi-la, pouco a pouco, aos cimos da perfeição, estabelecendo entre Jesus e ela essa intimidade inefável que lhe permitiu sondar o abismo dos mais profundos mistérios de nossa fé.

            Datam dos primeiros tempos de sua conversão as mais rudes provas que lhe despedaçaram a alma, tais como o falecimento de sua mãe, de seu esposo e dos queridos filhos. Contudo, em meio dessas terríveis provações, Ângela adorava a vontade divina. Rotos os laços que a prendiam à terra, ela se devotou a Deus procurando satisfazer à sua justiça por uma completa e voluntária pobreza, pela oração e por lágrimas de arrependimento.

            Fez-se terceira franciscana e foi com hábito da Ordem da Penitência que atravessou o período de vida purgativa, sendo submetida pelo demônio às mais assustadoras experiências destinadas a quebrar-lhe a paciência e a coragem. Presa de inexprimíveis dores físicas e torturas da alma, exclamava, porém, com inabalável firmeza, a arrependida filha de São Francisco: “Glória a vós, Senhor! Vossa cruz é o meu leito de repouso, tenho por travesseiro a pobreza e descanso os membros na dor e no desprezo”.

            Dois anos durou essa noite de cruel martírio, sucedida pelo dia radioso das consolações. Conhecimentos admiráveis do mistério da Santíssima Trindade, dos atributos e perfeições de Deus lhe foram concedidos e tão maravilhosa era sua inteligência das sagradas escrituras que os homens mais doutos recorriam às suas luzes.

            A esses favores divinos, Ângela respondia com a mais profunda humildade, reputando-se a mais indigna das criaturas e tendo sede de desprezo e opróbrios.

            O brilho de sua santidade e o poder de seus exemplos reuniram em torno dela um certo número de cristãos e cristãs que, usando também o hábito da Ordem Terceira, trabalhavam sob sua direção para ascender nos caminhos de Deus. A seus filhos espirituais, ela dava instruções admiráveis, verdadeiras joias espirituais: “Conhecer-nos a nós mesmos e conhecer a Deus, eis a perfeição do homem. E, quando a alma mergulha no abismo de sua indignidade, de seu nada, de seu pecado, quando a alma vê o Deus Altíssimo tornado amigo, o irmão, a vítima do pecador quando mergulha enfim profundamente o olhar nesse duplo abismo, mais intimamente se realiza nela o mistério do amor, a transformação dela própria em Deus”.

            Belíssimas são as suas palavras acerca da oração que “liberta e une a Deus” e formosíssimos os conselhos que à hora da morte dirigiu a seus filhos espirituais: “Recebi de Deus, asseguro-vos, maiores favores quando chorei e sofri pelas faltas do próximo do que quando chorei e sofri pelas minhas. Oh! meus filhos, amai e não julgueis nunca. Se virdes um homem pecar mortalmente, tende horror ao pecado, mas não julgueis o homem, não desprezeis a pessoa, porque ignorais os juízos de Deus. Muitos parecem condenados e são salvos por Deus... Muitos parecem salvos e são condenados por Deus...”

            Ângela terminou seus dias orientando espiritualmente, através de cartas, centenas de pessoas que pediam seus conselhos. Ao Santo Arnaldo, a quem ditou sua autobiografia, disse o seguinte: “Eu, Ângela de Foligno, tive que atravessar muitas etapas no caminho da penitência e conversão. A primeira foi me convencer de como o pecado é grave e danoso. A segunda foi sentir arrependimento e vergonha por ter ofendido a bondade de Deus. A terceira me confessar de todos os meus pecados. A quarta me convencer da grande misericórdia que Deus tem para com os pecadores que desejam ser perdoados. A quinta adquirir um grande amor e reconhecimento por tudo o que Cristo sofreu por todos nós. A sexta sentir um profundo amor por Jesus Eucarístico. A sétima aprender a orar, especialmente rezar com amor e atenção o Pai Nosso. A oitava procurar e tratar de viver em contínua e afetuosa comunhão com Deus”.

Seu túmulo foi cenário de muitos prodígios e graças. Assim, a atribuição de sua santidade aconteceu naturalmente, àquela que os devotos consideram como a padroeira das viúvas e protetora da morte prematura das crianças. Foi o Papa Clemente XI que reconheceu seu culto, em 1707. Porém ela já tinha sido descrita como Santa por vários outros pontífices, à exemplo de Paulo III em 1547 e Inocente XII em 1693. Mais recentemente o Papa Pio XI a mencionou também como Santa em uma carta datada de 1927.


Texto adaptado e atualizado da revista Echo Seraphico, Ano VI, Março de 1917, nº3.



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