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O Primeiro Irmão da Fraternidade das Chagas

 

O Primeiro Irmão da Fraternidade das Chagas 


Antônio Bueno ocupa um lugar de relevo nos anais da Ordem Terceira de São Paulo e é destinado, justamente em nossos dias, depois de 380 anos, a figurar em primeiro plano nesta sua Fraternidade.   

Quem era Antônio Bueno e de que nos falam suas relações para com a Ordem Terceira de São Francisco? 

Seu pai, Amador Bueno da Ribeira, era personagem central da primeira metade do século dezesseis e, por largos anos, pessoa de avultada influência nos destinos de sua pátria. Era capitão-mor da capitania de São Vicente no triênio de 1627 e seu ouvidor de 1630 em diante. As festas tricentenárias de 1941, celebrando sua “Aclamação de Rei de São Paulo”, repercutiram em todo o país e o selo comemorativo divulgou este feito para todos os recantos do Brasil. 

As “Atas da Câmara de São Paulo” e os documentos da época salientam também a figura de seu filho, o capitão Antônio Bueno. 

Muito moço ainda, fizera parte de uma das mais formidáveis “entradas ao sertão”, da célebre “bandeira dos Buenos”, em 1637-1638, comandada por dois de seus tios, Jerônimo Bueno e Francisco Bueno, este pai do “Anhanguera”. De volta dos sertões do Rio Grande do Sul, casou-se ainda no mesmo ano de 1638, com Maria do Amaral Sampaio, filha de Paulo Amaral, Ouvidor da capitania de São Vicente em 1649.  

... 

Quando os franciscanos se instalaram em São Paulo no ano de 1640, Paulo do Amaral tornou-se deles, desde o início, amigo decidido e protetor influente. Os religiosos, valendo-se de seu extraordinário prestígio, fizeram-no síndico apostólico e com este cargo fizera-se ele o expoente dos interesses franciscanos. Pois nesta qualidade devia zelar por todos os bens da comunidade franciscana, o que era, naqueles anos de construções mormente, de máxima importância. 

Antônio Bueno, ainda em 1685, cinquenta anos depois de sua primeira “entrada ao sertão”, era o chefe de uma bandeira junto com Jerônimo Camargo e Salvador de Oliveira Pais. Dez anos mais tarde, em 1695, quando já devia estar perto dos seus oitenta anos, figura ele no rol dos Irmãos Terceiros de São Francisco. 

Tal circunstância nos dá informes preciosos relacionados com a fundação desta mesma Fraternidade. 

Dos 134 membros, 84 irmãos e 50 irmãs, era ele o irmão mais antigo, tendo feito a profissão em 1644. Portanto, já não era vivo, nesse ano, nenhum dos seus fundadores. 

O “Livro das Recepções”, iniciado em 1695, enumera para este ano treze professos vivos de 1674, onze de 1676, dezenove de 1689 e vinte e três de 1692. 

De outro livro, o das atas — ou, como então se dizia, “Livro das juntas de Mesa” — principiado em outubro de 1686, sabemos que Antônio Bueno, nesta época, fazia parte da Mesa, na qualidade de discreto. O Termo de primeiro de abril de 1687, o qual traz sua assinatura, o enumera entre os seis contribuintes para o pagamento do retábulo da Capela da Ordem Terceira. 

Anteriores a este livro das atas de 1686, já existiam na Fraternidade três outros, de que não se teve mais nenhum vestígio, dois livros de recepções e o livro das mesadas. Destes quatro livros transcreveu o secretário de 1686, Manoel Pais de Botelho, as profissões dos irmãos vivos nesta data. 

Desde o ano de 1676, a Fraternidade possuía sua própria capela, aquela mesma que hoje é denominada “Capela da Imaculada Conceição”. Na reunião de Mesa, em 3 de julho de 1686, expediu-se regulamento acerca dos enterramentos nessa capela. Poucos anos mais tarde, em 1694, fez-se o madeiramento de “toda a obra da capela, consistório, sacristia e corredor por preço de dezesseis mil reis”. 

Em 1676, ano da construção da capela, ... a ela já pertenciam as famílias mais acatadas da vila e os personagens mais representativos da sociedade piratiningana, registrados no mencionado livro das profissões.  

Entre as famílias sobressaíram os Camargo e Rodrigues d’Arzão, os Bueno, Siqueira de Mendonça e Horta de Oliveira, os Prado da Cunha e Cardoso de Almeida. 

De Antônio de Siqueira de Mendonça, síndico apostólico do convento de São Francisco depois da morte de Paulo do Amaral, descobrimos mais de 180 descendentes ou parentes, todos afiliados à Primeira, à Segunda e Terceira Ordem Franciscana. Da família dos Bueno, encontramos mais de 50 Irmãos Terceiros, entre estes os dois irmãos de Antônio Bueno, Francisco Bueno Luiz e Diogo Bueno e um filho deste, Paulo da Fonseca Bueno, o ilustre escrivão dos órfãos, e ainda Bartolomeu de Siqueira Bueno, o descobridor do ouro das Minas Gerais. Entre os Arzão, assinalaram-se Manuel Rodrigues d’Arzão, pai e filho, e mais outro filho, Antônio Rodrigues d’Arzão, o famoso precursor das descobertas de Minas Gerais. 

Muitos já eram falecidos em 1695, e entre estes todos os fundadores da Fraternidade, como esse temível Fernão Camargo, o filho do “Tigre”, ou aquele gigante entre os calções de couro, Braz Rodrigues d’Arzão, irmão de Manuel Rodrigues d’Arzão, o velho, ou ainda a família mais rica da época, Gonçalo Lopes e sua mulher Catarina da Silva, de quem era genro Fernão Camargo; Salvador Cardoso de Almeida, escrivão dos órfãos e irmão de outro gigante das bandeiras, Matias Cardoso de Almeida. 

Estes e muitos, muitos outros, que gravaram um nome imperecível nos fastos da história de São Paulo, representam também a falange gloriosa da Ordem Terceira desde os primeiros anos de sua existência, atestam a vida pujante de sua Fraternidade desde o início da atividade franciscana em terras piratininganas e sua briosa ascendência na sociedade paulistana durante toda a segunda metade do século seiscentista. 

E estes mesmos fatos encontramos sobejamente confirmados no que escreveu o cronista de 1745 na “Memória sobre a fundação do convento de S. Francisco de S. Paullo”: “... de haver Terceiros neste convento consta ser logo do princípio de sua fundação”.     

A comunidade franciscana se estabelecera em São Paulo aos 5 de janeiro de 1640, indo morar provisoriamente na ermida de Santo Antônio (hoje Praça do Patriarca). Cinco meses mais tarde, em12 de junho, passaram para o convento primitivo, perto da mesma ermida, situado na atual rua Direita, servindo-lhes de igreja conventual a capela de Santo Antônio da dita ermida. 

Era uma época de intensas agitações sociais e político-religiosas e os franciscanos recém-chegados não podiam eximir-se a fazer sentir sua atuação sobre os destinos da vila. Larga foi a repercussão destas suas atividades. Os franciscanos, forçosamente, procuravam apoio entre a população e muitos moradores de iguais tendências se arregimentaram em redor desses religiosos. Arregimentaram-se na Ordem Terceira de São Francisco. E isto “logo no princípio de sua fundação”. E toda esta importância descomum da Fraternidade tomou vulto desde os primeiros anos do quarto decênio seiscentista — é o que corrobora o cronista de 1745. 

De 1642 em diante os franciscanos construíram em outro local, no atual Largo de São Francisco, o convento definitivo e, graças ao apoio eficaz da população, a igreja já estava terminada em agosto de 1644. É o que infere o inventário de Manuel João Branco, que fala no dia 16 de agosto do referido ano de “dez braças de chão que estão pegados à igreja nova que se fez de São Francisco”. (NB: Hoje em dia tem se comemorado a data oficial da inauguração da Igreja de São Francisco em 17 de setembro de 1647).     

De todos os irmãos, que haviam recebido o hábito franciscano ainda na Capela de Santo Antônio, apenas um estava vivo no ano de 1695, Antônio Bueno. E tendo feito sua profissão em 1644, talvez ele e os de sua turma foram os primeiros que a fizeram na “igreja nova que se fez de São Francisco”. 

Antônio Bueno será a figura central nas comemorações tricentenárias da Ordem Terceira de São Paulo no ano de 1643. E bem que não lhe possamos dar o título de fundador, é, no entanto o primeiro irmão de sua Fraternidade de que temos conhecimento pelo “Livro das Recepções de 1695”.   

 

Transcrito, com algumas atualizações, da Revista “Eco Seráfico”, Setembro de 1942, ano XXXI, p. 268-271. 

 NB: Hoje em dia tem se considerado 17 de setembro de 1647 como data oficial da inauguração da Igreja de São Francisco.  



" DESENHO POR IDEA DA CIDADE DE SÃO PAULO".

Original manuscrito na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. 1765-1775. Pág. 368.



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