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Ata do traslado das imagens (1788)

 VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DA PENITÊNCIA DA CIDADE DE SÃO PAULO 

IGREJA DAS CHAGAS DO SERÁPHICO PAI SÃO FRANCISCO 

 

DOCUMENTO HISTÓRICO 

 

Ata do traslado das imagens 

 

Ata de 04 de janeiro de 1788 que noticia o festivo traslado das imagens da Igreja de Santo Antônio para a Igreja das Chagas do Seráphico Pai São Francisco, ocorrido em 01 de janeiro de 1788. 

 

Livro II dos Termos, Atas de 1727 – 1792, p 122/125. 

 

 

Depois de concluída a função em que se lançou a primeira pedra com a Solenidade referida, logo no dia seguinte se deu princípio à elevação e construção do novo Templo, e seus contíguos edifícios, que se foram continuando sempre de baixo da Inspeção, e direção do nosso Caríssimo   Irmão Ministro, que para benefício da Ordem, e para a melhor expedição das dependências da Obra, não duvidou a eleição que terceira vez se fez dele para o dito emprego, e cargo de Ministro, e com efeito foi a execução tão pronta com a sua contínua assistência aos Oficiais e manufatores, que em Dezembro do ano de 1786 se cobriu não só a Igreja com o seu Zimbório, mas também toda esta grande Obra, e entrando-se a dispor por dentro com os cômodos, e asseio possível, e assentando-se pela maior parte dos Irmãos 3ºs que era conveniente o mudar-se a Ordem da Capela de Santo Antônio (em que estavam fazendo os seus exercícios Espirituais com grande descômodo pela sua pequenez, e falta de Oficinas em que se guardassem os móveis, e alfaias da Ordem) para o novo Templo se determinou fazer-se a função da trasladação no dia último de Dezembro de 1787. 

Com esta resolução se mandaram convocar mais Oficiais para se adiantar a nova Obra, e com efeito se concluíram (com a perfeição que foi possível em tão Limitado tempo) os cômodos para Consistório, Noviciado e Sacristia, trabalhando-se ao mesmo tempo na Igreja, Capela-Mor, e Cruzeiro e retendo-se-lhe as Tribunas; portas e janelas nos lugares competentes, formando-se a Capela principal da Conceição que faz um dos braços do Cruzeiro que é o lugar em que estava antecedentemente a Capela antiga, por cuja causa se assentou nesta nova o mesmo retábulo que naquela servia, por estar ricamente dourado, e não ter padecido lesão alguma quando se desmanchou. 

Por não ser possível concluir-se a mais Obra da nova Igreja já na última perfeição, como está determinado, se assentou forrar-se com todo o asseio devido todo o Corpo da nova Igreja com as seis Capelas que nele se acham principiadas, o Cruzeiro, e Capela-Mor cobrindo-se as suas paredes de damasco Carmesim; todos os quatro arcos que sustentam o Zimbório pendurando-se em cada uma deles um Lampião de Vidro que com as suas muitas Luzes faziam excelente perspectiva, que sobressaia a que formavam as muitas placas de vidro, e douradas que se achavam postas por ordem nas paredes já cobertas de encarnado, e as muitas Luzes com que foram ornadas as Capelas pela parte de dentro e tocheiros pela de fora. 

Para a execução destes muitos Ornatos se encarregaram o Irmão Vice-Ministro o Tenente  Francisco Pinto Ferraz, e o Irmão Secretário o Alferes Francisco Pereira de Araújo os quais com a sua grande atividade, e notório Zelo que tem nesta Venerável Ordem, trabalharam por mais de quinze dias com incansável cuidado perdendo muitas noites as Horas do descanso do Corpo, e despendendo à sua custa com muita Liberalidade para terem contentes e satisfeitos aos sujeitos que convidaram para os ajudar em uma função tão Laboriosa, e de custo; mas ficaram com a glória de executarem tudo o de que para sua devoção se encarregaram com a perfeição, asseio, e grandeza que nunca se viu nesta Cidade, e no conceito de seus Irmãos ficou os seus nomes em perpétua memória para os futuros. 

Por ser esta função de trasladação tão festiva, se assentou que as Imagens dos Santos da Ordem que costumam sair na procissão de Quarta-feira de Cinzas fossem conduzidas em andores ornados de Gala, e não de Roxo, como costumam sair naquele dia, e por isso se repartiram por vários Irmãos desta Cidade digo desta Ordem, os quais com emulação Santa se empenharam no seu ornato com avultadas despesas que fizeram à sua custa, de sorte que pela sua diversidade e ricos ornatos formavam uma agradável perspectiva assim dentro na Igreja como pelas ruas por onde passou a Procissão que se compunha de treze Andores, a saber = o da Conceição do Noviciado = o do Menino Jesus da Ordem = o do Salvador do Mundo = o do Nosso Santo Padre = o da Cúria = o de Santa Izabel Rainha de Portugal = o de Santa Margarida de Cortona = o de Santa Rosa de Viterbo = o de São Luís Rei de França = o de Santo Antônio de Cantegerona = o de Santo Ivo = o da Divina Justiça = o das Chagas. 

Disposto assim tudo que era preciso para a função, foram o Irmão Vice-Ministro (por ter falecido o Ministro atual o Dr. Luís de Campos) junto com o Reverendo Padre Comissário, o Irmão Secretário e o Irmão Ministro Jubilado, e Inspetor de Obra no dia 28 do mês de Dezembro do dito  ano de 1787 convidar ao Exmo. e Revmo. Sr. Bispo Dom Frei Manoel da Ressurreição, que havia sido o mesmo que Lançou a primeira pedra fundamental, rogando-lhe quisesse honrar com a sua assistência não só o acompanhamento da procissão, como também a festividade no dia primeiro do ano próximo futuro de 1788. 

Este Exmo. Prelado que foi o que primeiro concorreu com Liberal mão para a nossa nova Obra, como já fica expendido, e que nos tem sempre honrado, e protegido, chegando a mandar-se alistar por nosso Irmão 3º, por cujas ações deve ficar o seu Sagrado nome em eterno padrão da nossa Ordem para os séculos futuros. Anuiu benignamente a esta nossa súplica facultando todas as licenças necessárias não só para se fazer a Procissão pelas Ruas públicas desta Cidade, mas também para se expor o Santíssimo Sacramento na nova Igreja. 

Logo foi igualmente convidado o Exmo. Governador que serve de General o Marechal de Campo Frei José Raimundo da Gama Chichorro Lobo o qual pelo gosto especial que fazia da nossa nova Obra, e pelo muito que respeitou, e venerou esta Ordem 3ª, não só prometeu a sua assistência para a Procissão, e festividade do dia, mas também as guardas que fossem necessárias de noite e de dia nas duas Igrejas. 

Logo foi também convidado o Dr. Ouvidor e Desembargador atual e a Comunidade dos 3ºs de N. Sra. do Carmo e Prelados das Religiões, os que todos concorreram com as mais assistências mostrando o gosto que faziam de uma função tão plausível. 

Estando já todos os Andores prontos na Capela de Santo Antônio para aí se formar a Procissão, e sair pelas ruas determinadas a recolher-se na nova Igreja mandou o Exmo. Marechal Governador formar as Tropas Militares com Ordem para darem três descargas tanto que se recolhesse a Procissão; porém estando tudo pronto na tarde do dia 31 de Dezembro, sucedeu arruinar-se o dia, e por causa da muita chuva que durou até as Ave-Marias ficou determinada a Procissão para o dia e tarde seguinte se o tempo desse lugar, e como no primeiro dia do ano se devia fazer a festividade da Igreja; assentou-se que de noite passassem os Andores para ela em ordem a estarem patentes as Imagens, o que com efeito se executou transportando-se os Andores ocultamente de noite, e colocando-se nas suas Capelas, e lugares respectivos. 

Logo se iluminou toda a Igreja, e pelas Oito horas da noite pouco mais ou menos se Cantaram as Matinas que Capitulou o Muito Reverendo Dr. Arcipreste da Sé Catedral Paulo de Souza Rocha Vigário-Geral atual do Bispado e nosso Irmão Ministro Jubilado, Inspetor, e Diretor da nova Obra, tendo-se antecedentemente formado um grande Coreto ricamente ornado de Damasco Carmesim para nele cantarem todos os Músicos da Cidade, e que a ela tinham vinde, de baixo do compasso do nosso Irmão Mestre da Capela da Catedral André da Silva Gomes que por ser peritíssimo na Arte da Música, compôs para a função a Solfa de melhor gosto, e estilo moderno, acompanhada de toda a qualidade de Instrumentos, de sorte que o sonoro deles, e a suavidade das vozes, atraiam todas as atenções do muito povo, que apesar da tenebrosa noite de chuva, concorreu à nova Igreja para assistir a esta função, de sorte que foram precisas guardas de Soldados nas portas para evitar algumas desordens que pudessem acontecer, durante a festividade das Matinas, como durou até quase à meia-noite, e assistindo a Comunidade dos Religiosos da primeira Ordem no Coro que se lhe formou dentro da Capela-Mor, com parte dos melhores Cantores da Catedral que se escolheram para salmear, e cantar as Lições, entregando-se o governo das mesmas Matinas ao Reverendo Subchantre da dada Catedral o Padre Antônio de Oliveira Costa que desempenhou a eleição que dele fizeram os Religiosos com a perfeição e asseio com que costuma por em execução as do Coro da Catedral. 

 

Logo depois da meia-noite nos favoreceu o Céu suspendendo a muita chuva que durou desde as quatro horas da tarde, com muito poucos intervalos, que sempre deram Lugar à passagem dos Andores, e acenderem-se as muitas fogueiras e luminárias com que se tinha ornado todo o prospecto da parte exterior da Igreja e Consistório, e para se poderem disparar as roqueiras, e lançarem-se os fogos de vistas, e do ar para que tinham concorrido muitos dos nossos Irmãos sem despesa alguma da Ordem. 

Amanheceu enfim o feliz dia primeiro de Janeiro deste presente ano de 1788, ainda algum tanto brusco, mas sem chuvas, nem vento, e se viam nove Horas de manhã mandou o Exmo. Governador formar uma Companhia de Soldados do Regimento de Mexias no pátio da nossa Igreja e pelas nove e meia chegou ao Cruzeiro o Exmo. e Revmo. Sr. Bispo, os Reverendos Cônegos da Catedral que foram convidados para lhe assentarem ao Sólio em que assistiu a Missa paramentado de pluvial; a qual foi Cantada pelo nosso Irmão Reverendo Dr. Arcipreste que na noite antecedente tinha Capitulado as Matinas. 

Pouco tempo se passou e logo também chegou o Exmo. Governador que igualmente com o nosso Exmo. Prelado foram recebidos formada a guarda com os repiques dos Sinos do Convento dos Religiosos, pela Comunidade destes e da dos nossos 3ºs. 

Paramentado o Exmo. Prelado no nosso Consistório foi conduzido pela porta principal da nossa nova Igreja até o presbitério da Capela-Mor, onde já o esperava o Celebrante com o Diácono, e Subdiácono, e feitas as reverências, e Cerimônias devidas se expôs o Santíssimo Sacramento no trono que se achava ricamente preparado, e se deu princípio à Missa. 

No fim do Evangelho veio tomar a bênção ao Exmo. Prelado o Reverendo Padre Mestre Frei José dos Serafins e logo subiu ao Púlpito que se lhe havia preparado na face do primeiro arco Cruzeiro, onde orou com a Condição que dele se esperava desempenhando em tudo a eleição que a Ordem 3ª havia feito de sua Religiosíssima pessoa, dos seus talentos, e conhecida erudição. 

Finalizou-se a Missa pela uma hora depois do meio-dia, recolhendo-se o Exmo. Prelado, e Governador para os seus Palácios, esperando-se fazer-se a Procissão de tarde, para o que ficou o Santíssimo exposto no trono, mas não foi completo o nosso desejo porque às horas de sair a mesma procissão, repetiu a chuva, e assim foi preciso repor-se pelas Ave-Marias o Sacramento no Sacrário. 

Por que a chuva não deu o lugar a sair neste dia a Procissão, se procedeu na Eleição da nova Mesa que por se desejar fazer no nosso Consistório novo se não tinha feito no dia das Chagas como é o costume nesta Venerável Ordem mas sim se determinou fazer neste dia sem exemplo para o futuro, a qual eleição se fez muito à satisfação de todos os eleitores que na mesma se achava, a qual depois de feita vieram para a nossa Capela-Mor e antes de se publicar a mesma, se deram os Santinhos como foi sempre costume nesta Ordem no dia primeiro de Janeiro, e não obstante o ter-se determinado quando se deu princípio desta Obra que os Irmãos Secretários de quem é obrigação dá-los ficassem isentos da mesma, obrigados porém a darem a sua Joia o que assim se tem praticado, porém o Irmão Secretário o Alferes Francisco Pereira de Araújo não obstante o tê-la já pago, quis fazer completa esta função dando os ditos Santinhos à Sua Custa a todos os Religiosos e muita quantidade aos Irmãos e Irmãs que se achavam presentes ficando todos assaz satisfeitos com a grandeza com que foram dados, levando-se também aos Exmos. Prelado e Governador acabada esta ação tão plausível, publicou o mesmo Irmão Secretário a Eleição dos Irmãos novamente eleitos para servirem o ano seguinte depois de publicado se fizeram todas as mais Cerimônias que se praticam fazer em semelhantes atos por cuja razão se acabou já bem de noite. 

Porém Deus nosso Senhor que é admirável nos seus Santos, e que não despreza os pios desejos dos que o invocam, Louvam, e engradecem, dispôs por sua divina Providência que amanhecesse o dia seguinte 4ª feira dois do mês com sinais de tempo concertado, e se conservou até a tarde, de sorte que pelas cinco horas saiu a nossa procissão com todos os Andores e Anjos rica e preciosamente vestidos, indo de baixo do pálio o Santíssimo Sacramento conduzido pelo nosso Irmão o Reverendo Dr. Arcipreste que tinha celebrado no dia antecedente. 

Antes de sair a Procissão marchou para o pátio da nossa Igreja o Regimento do Coronel Manoel Mexia Leite nosso Irmão, e por ele Comandado, e logo chegou também a Companhia de Voluntários Reais com todos os instrumentos do seu Regimento; e se destacaram uns e outros nos postos competentes: aqueles para ficarem até se recolher a procissão, e darem as três descargas, estes para irem atrás da procissão como foram marchando ao compasso das Caixas, e instrumentos. 

Pouco tempo passado chegaram os dois Governos para acompanharem a procissão e feitas as cerimônias e Militares como se pratica, se deu princípio a saída da procissão, que depois de grande giro que deu pelas ruas por onde costuma passar a do dia de Cinzas, se recolheu sem chuva, o que parece foi prodígio da Onipotência, porque passadas poucas horas, repetiu com tanta violência, que parecia se desataram as Cataratas do Céu. Deus seja por tudo Louvado. 

E para a todo o tempo constar fiz esta Lembrança aos 4 do mês de Janeiro de 1788  Francisco Pereira de Araújo 

Secretário da Ordem. 

 

OBS.: Na transcrição, para melhor clareza, foi atualizada a grafia e certas abreviaturas foram reproduzidas por extenso. Manteve-se a pontuação original e o emprego de maiúsculas. 







Dom Frei Manoel da Ressurreição (Lisboa, 1718 – São Paulo, 1789) -   3º Bispo de São Paulo (1771 – 1789) -   da Ordem dos Frades Menores Observantes (OFM), recebeu patente de Irmão Terceiro remido da Fraternidade das Chagas das mãos de Frei Antônio de Santana Galvão. Presidiu a cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Igreja das Chagas em 11 de julho de 1784 e a cerimônia de traslado (retorno) das imagens em 01 de janeiro de 1788   

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