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Ata da Construção da Igreja das Chagas

 VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DA PENITÊNCIA DA CIDADE DE SÃO PAULO 

 

Documento Histórico 

 

Ata da Construção da Igreja das Chagas 




 

Ata de 12 de julho de 1784 em que se narra o solene lançamento da pedra fundamental da Igreja das Chagas do Seráphico Pai São Francisco, ocorrido na Cidade de São Paulo aos 11 de julho de 1784. 

 

Livro II de Termos, Atas de 1727 – 1792, p. 120/122. 

 

 

Para que se conserve nesta Venerável Ordem 3ª da Penitência uma verdadeira notícia da formação do seu novo Templo, e Edifícios, lança-se neste Livro a Relação do seu princípio. 

 

Tendo esta Venerável Ordem bem compreendido que a sua Capela de que se servia, pela sua angustura e obscuridade não era decente para nela fazerem os seus atos, e ser nela Louvado Deus Senhor nosso com a decência devida; assentou por unânimes votos dos Irmãos 3ºs que fosse demolida, fazendo-se outro Templo mais amplo com perspectiva para a da Igreja dos Religiosos, e ficando anexa a ela para se comunicarem uns com os outros nas suas funções, e tendo sido eleito para Ministro da Ordem na Congregação de 17 de Setembro do ano de 1783 o Reverendo Arcipreste da Sé Catedral desta Cidade Paulo de Souza Rocha: a este encarregou a Ordem a inspeção, direção, administração da nova Obra pelo pleno conhecimento que havia da sua Capacidade; Zelo, e devoção, no que ele conveio por serviço de Deus e amor que mostrou à sua Ordem 3ª. 

Com efeito nos fins do mês de Março (por haver vários impedimentos antes) se principiou a demolir a antiga Capela, e todas as suas oficinas a ela contíguas, e feita a planta da nova obra pela direção do Irmão Definidor mais velho, e atual da Mesa o Capitão-Mor da terra Manoel de Oliveira Cardoso, que além de ter servido de Ministro antecedentemente duas vezes sempre se mostrou o mais fervoroso, e empenhado pelo aumento da Ordem, despendendo com liberal mão para os Ornatos, e alfaias da antiga Capela; preparado o terreno e posto nos termos de fundamentar-se a nova Obra, se demarcaram os alicerces, determinando-se lançar-lhe a pedra fundamental no dia 11 de Julho em que a Igreja celebra o oitavo da Gloriosa Senhora Santa Izabel Rainha de Portugal Padroeira da 3ª Ordem. 

Para se proceder a esta pia, e louvável ação, que toda foi dirigida pelo dito Reverendo Ministro atual, como Inspetor de Obra, mandou este levantar uma Igreja de madeira no plano, deixando os alicerces demarcados pela parte de fora, dando ao Corpo da Igreja cinquenta palmos de comprido, e trinta de largo, e com sua Capela-Mor de 35 palmos de comprido e 25 de largo, toldando-se os seus telhados com lonas para evitar o calor do Sol, ou a chuva se houvesse, e ornando-se assim a nova Igreja de Damasco Carmesim; e passamanes amarelos por dentro, trabalhou-se nesta Obra para a função até o dito dia 11 de Julho ao meio-dia, e neste tempo se conduziu a pedra fundamental, e se pôs em lugar levantado do chão bem no meio da Capela-Mor de parte de dentro do seu arco. 

Tinha esta pedra dois palmos esforçados em quadra, e sendo oitavada nos cantos formava quatro faces, e pela parte de cima era abaulada, e vazada por dentro como um Cofre, e sua tampa separada para se lhe encaixar com betume no lugar do alicerce a seu tempo como depois se dirá. 

Na primeira face, que havia ficar para a parte de dentro da Capela-Mor estava Lavrada com letras grandes e bem legíveis a seguinte inscrição: Deo Optimo Maximo, Divoque Francisco. Templum hoc dedicatum est anno Domini 1784. 

Na segunda face, estavam estas Letras: Pontificatu Piifundatum anno Domini 1784. 

Na 3ª face se liam estas palavras: Domnus Fr. Emmanuel a Resurrectione 3us Episcopos Paulopolitanus. Solemni ritu posuit die 11ª Julii 1784. 

 

Na 4ª face se viam igualmente escritas estas palavras: 3us Ordo Penitenciae construxit die 11ª Julii 1784. 

No alto da entrada desta nova Igreja se achava uma tarja e no meio dela estas palavras: Haec est Domus Domini firmiter aedificata. 

No meio da volta do arco que formava a divisão da Capela-Mor se via outra tarja com estas Letras: Bene fundata est supra firmam petram. 

Na antevéspera do dia em que se havia de fazer esta Solene função foi o Irmão ministro convidar o Exmo. e Revmo. Sr. Bispo desta Diocese D. Fr. Manoel da Ressurreição (em quem a Ordem tem um admirável Protetor) pedindo-lhe quisesse honrar-nos com a sua assistência, e ser ele mesmo o que fizesse a bênção. Anuiu benigno a esta súplica, depois de ter liberalmente prometido para a nova obra a quota de quatrocentos mil réis. 

Igualmente foi o dito Irmão Ministro convidar o Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco da Cunha e Menezes, que felizmente governa esta Capitania como Governador e Capitão-General que é dela e não só se dignou vir assistir a esta função com toda a sua comitiva, mas também mandou formar os seus Regimentos no pátio do Convento para darem descargas de mosquetaria logo que a pedra se lançou no lugar. 

Como esta plausível função havia ser feita pelo Cabido da Catedral, que também foi convidado com todo o seu Coro, e Música do Coreto, não foi possível o fazer-se de manhã, e por isso se adiantou o mesmo Coro as Horas de Vésperas de sorte que pelas três da tarde do dito dia 11 já se achavam os Ministros desembaraçados e dentro da nova Igreja para receberem o Exmo. Prelado o qual não tardou muito a chegar, e já há tempo que estavam os Regimentos formados para lhe apresentarem as Armas, e baterem-se as Bandeiras como se executou de baixo do mando do Coronel Manoel Mexia Leita que desempenhou esta ação com a bizarria, e desembaraço com que disciplina os seus Soldados e Subalternos. 

Chegado que foi o Exmo. Prelado ao Arco da Igreja do Convento dos Religiosos o vieram receber estes em Comunidade indo diante deles os 3ºs da Ordem com o seu Padre-Mestre Comissário Frei Manoel de Sta. Tereza de Jesus Possidônio, e o Irmão Ministro atual já referido, e logo precedia o Ilmo. Cabido com o Clero da Catedral, e assim foi conduzido, acompanhado o mesmo Exmo. Prelado até o lugar da nova Capela em que se lhe tinha preparado o seu Sólio levantado três degraus com um rico dossel, e Cadeira para se sentar, e depois paramentar-se para fazer esta tão plausível função. 

Seriam passados dez minutos depois; logo chegou o Ilmo. e Exmo. Sr. General Francisco da Cunha e Menezes com toda a sua comitiva e depois de reverenciar com toda a sua costumada política, e urbanidade ao Exmo. Prelado subiu para uma tribuna que com muito asseio se lhe tinha preparado ao pé do Arco da Capela Mor, guarnecida por quatro faces para que pudesse gozar e ver a seu gosto todas as cerimônias da função assim dentro como por fora da Igreja. 

Paramentou-se o Exmo. Prelado, e logo descendo do Sólio acompanhado dos seus assistentes veio para o lugar em que se achava a pedra, e ali principiou a bênção com todas as Cerimônias que determina o Pontifical. Admirava-se na alegria deste Prelado, e do nosso General um júbilo extraordinário. 

Chegado o tempo de conduzir-se a pedra para o lugar do alicerce com que havia de ser colocada, dispuseram os Mestres de Cerimônias a procissão e acompanhamento na forma seguinte. 

Foram saindo de dentro da nova Igreja em duas alas os Irmãos 3ºs presididos pelo seu Reverendo Padre Mestre Comissário, logo se seguiam os Religiosos do Convento também em duas alas, e depois a Cruz da Catedral com dois Seriais de uma e de outra parte; um acólito com água benta e hissope: seguiam-se a estes também os Capelães do Coro assim de número como extranumerários porque todos foram mandados assistir a esta função pelo dito Exmo. Prelado. 

Imediatamente se seguiam o Definidor mais velho da Ordem o Capitão-Mor Manoel de Oliveira Cardoso Professo na Ordem de Cristo o qual levava em uma Salva de prata o dinheiro de toda as qualidades de moeda de Ouro, prata, e cobre, oferecido por ele mesmo para se lançar dentro no Cofre da pedra depois de posta no seu Lugar. 

Ao Lado Esquerdo deste ia também o segundo Definidor o Capitão Francisco Xavier dos Santos Professo na Ordem de Cristo e Tesoureiro geral da Real Junta da Fazenda desta Capitania o qual levava em outra Salva um Agnus Dei do Papa Reinante Pio 6º engastado em filigranas de prata, e várias relíquias que tudo tinha dado para esta função o Exmo. Prelado. 

Da outra parte se seguia o Irmão Síndico da Ordem o Alferes Elesbão Francisco Vaz que levava a tampa da pedra fundamental, a qual tinha no meio uma Cruz, e quatro nos Quatro Cantos. 

Seguiam-se o Padre Mestre Comissário e o Irmão Ministro; o Vice-Ministro Joaquim José dos Santos Sargento-Mor das Ordenanças desta Cidade e o Secretário da Ordem o Capitão José Mendes da Costa que atualmente exercia também o Cargo de Juiz Ordinário da Cidade e todos quatro em seus Lugares competentes levavam a pedra fundamental que teria de peso Oito arrobas pouco mais ou menos. 

Logo se seguia o Exmo. Prelado caminhando paramentado com Mitra, e logo acompanhado dos Reverendos Cônegos assistentes. 

Foi saindo este vistoso acompanhamento pela porta travessa que estava formada do arco da Capela-Mor para baixo da parte do Evangelho, e se encaminhou para o lugar do alicerce que já estava aberto em direitura ao lugar em que há de ficar o Altar-Mor da nova Igreja e formando duas alas foi parando pelo meio o mesmo Exmo. Prelado com os seus Reverendos Cônegos assistentes, e os três já referidos que levavam as Salvas, e tampa da pedra. 

Neste lugar refizeram todas as Cerimônias que manda o Pontifical, e achando-se ali já pronto o Mestre Pedreiro se colocou a dita pedra no fundo, e logo se lançaram dentro no seu Cofre o dinheiro, e Relíquias tampando-se a tampa com betume para que nunca mais se pudesse abrir. 

Principiou o Exmo. Prelado o Salmo Miserere e enquanto o recitou lançou cada um dos Irmãos 3ºs um cesto de terra dentro no lugar do alicerce aberto, sendo os primeiros que obraram esta tão pia, e louvável ação o Padre-Mestre Comissário, e o Irmão Ministro, seguindo-se os mais por suas antiguidades e Cargos que tinham exercido na Ordem, e depois os Noviços com o seu Mestre. 

Concluída esta ação procedeu o Exmo. Prelado a bênção e aspersão dos alicerces que já estavam assinalados com todas as cerimônias esperadas que determina o Pontifical indo sempre acompanhado dos mesmos assistentes e precedido da Comunidade dos Religiosos e 3ºs cantando o Coro os Salmos e a Música do Mestre da Capela as Antífonas a canto de Órgão. 

Logo que foi aspergida a última parte do alicerce se encaminhou a Procissão para dentro do novo Templo pela segunda parte que se lhe tinha formado da parte da Epístola e chegando o Exmo.  Prelado ao meio da Capela Mor em que estava já preparado o faldistério com Coxim para ajoelhar, ali levantou o Hino = Veni Creator Spiritus = que a Música prosseguiu, concluído ele, cantou o mesmo Exmo. Prelado as Orações costumadas, e subiu para o seu Sólio em que se sentou, e logo subiu ao púlpito portátil o Reverendo Padre-Mestre Comissário para fazer uma Oração que desempenhou como se esperava de sua grande Ciência, e Religiosidade, deixando a todos assaz satisfeitos. 

Concluída a Oração panegírica lançou o Exmo. Prelado a bênção Pontifical e Solene, e no fim foram publicadas as Indulgências pelo Presbítero assistente. 

A todas estas ações esteve sempre presente o Ilmo. e Exmo. Governador General que sem sair da sua Tribuna gozava delas todas por estar formada com faces para as quatro partes do novo Templo. 

Foi tanto o concurso do povo além da assistência de toda a nobreza da terra, que se precisaram guardas para evitar alguma confusão, que com efeito não houve por estar tudo disposto com boa Ordem. 

São Paulo, 12 de Julho de 1784 

e Eu Francisco Pereira de Araújo Secretário da Ordem escrevi todo o Referido pelo não ter feito o Secretário que então era. 

Francisco Pereira de Araújo 

Secretário. 

 

OBS.: Para melhor clareza, certas grafias foram atualizadas e abreviaturas foram transcritas por extenso. Manteve-se a pontuação original e emprego de maiúsculas; conservada a grafia das palavras latinas. 

Quanto à demolição da antiga Capela, esclarece Frei Basílio Rower que, na realidade, “a Ordem Terceira construiu sua atual Capela, não demolindo a existente, mas atravessando-a, ...Antigas dependências foram demolidas e fizeram-se novas. (Páginas da História Franciscana no Brasil, Vozes, 1957, p. 89). Embora Frei Adalberto Ortmann repita a expressão “demolir-se a capela”, nota-se a afirmação de permanência e continuidade estrutural: “Em março de 1784, ao demolir-se a capela da Ordem e todas as suas dependências” salienta que “o retábulo do altar-mor foi retirado e guardado, para ser recolocado quatro anos mais tarde, em dezembro de 1787, no seu antigo lugar (destaque nosso), transformado na Capela da Conceição da atual Igreja, que faz um dos braços do cruzeiro”. (História da Antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência de São Francisco em São Paulo, MEC, DPHAN, 1951, p. 68),  





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