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O espírito de São Luís

 O espírito de São Luís 

Não é por ser rei, e um grande rei, que São Luís de França foi eleito patrono dos terciários franciscanos, mas porque foi um franciscano exemplar e, no exercício de sua augusta e laboriosa missão, mostrou-se cristão perfeito, dotado em sumo grau, daquelas preciosas qualidades que devem caracterizar todos os filhos de São Francisco de Assis. 

I – O traço mais notório do espírito de São Luís foi o horror ao pecado. Aprendera com sua santa mãe, a rainha Branca de Castela — filiada como ele e seu pai, Luís VIII, à ordem terceira de São Francisco, — a qual repetia-lhe que, embora muito o amasse, preferia vê-lo morto a sabe-lo em pecado mortal. Em toda a sua vida conservou e pôs em prática essa lição salutar. Ao senhor de Joinville, seu secretário, que declara certa vez preferir cometer cem pecados mortais a ver-se coberto de lepra, respondeu com severidade: “Bem se vê, Joinville, que não sabes o que é cair no desagrado de Deus; se o soubesses, temerias mais incorrer em só pecado mortal do que padecer todos males deste miserável mundo”. E, nas vésperas de morrer, foi esse o conselho principal que deu ao filho: “Meu querido filho, escreveu, “o principal conselho que te dou é que ames a Deus de todo o teu coração e com todas as tuas forças, porque sem Ele nada de bom podemos. A tua disposição para com Ele deve ser a de antes consentir que te façam em pedaços do que ofendê-lo mortalmente”. 

Para resistir às inclinações naturais para o pecado, São Luís recorria a três auxiliares de grande eficiência: a mortificação dos sentidos, a prece insistente, e a intercessão dos amigos de Deus, quero dizer os pobres, que ele cumulava de carinho 

II – Outro traço do espírito de São Luís era um profundo amor a Deus. A sua vida de piedade era frequente do intensa e fervorosa: alimentada pela recepção frequente dos sacramentos; estimulada pela assistência d`´aria à missa e pela recitação do ofício divino. 

Para manifestar o seu amor a Deus, cercava de grande respeito os seus representantes na terra, os sacerdotes e os indigentes: vestia de modo ostensivo o humilde burel que o assinalava entre os servidores de Deus na Ordem franciscana; e não perdia ocasião de mostrar publicamente a sua devoção, como quando, em frente do clero e de toda a corte, caminhou descalço e de cabeça descoberta, carregando para a Igreja, onde ia ser guardada, a relíquia da sagrada coroa de espinhos que lhe dera de presente o imperador de Constantinopla. 

Manifesta, também, esse perfeito amor pela conformidade com a vontade de Deus. O querer de Deus era a regra da sua conduta e a alegria do seu coração. Nas guerras e nos transes difíceis entregava-se com denodada confiança aos desígnios da Providência. Nas provações e derrotas mostrava pela resignação o seu completo assentimento a essa divina vontade à qual, nos triunfos, se regozijara de estar unido. E, quando pressentiu o seu fim próximo, foi com piedosa serenidade que aceitou essa derradeira expressão da vontade de Deus a seu respeito. Recebido o santo viático e a extrema-unção, quis, como São Francisco, ser estendido, só coberto pelo cilício, sobre uma camada de cinza. Expirou tranquilamente com os lábios colados ao crucifixo, murmurando as palavras do salmista: “Entrarei, Senhor, na vossa casa; no vosso templo santo glorificarei o vosso nome”. 

III – O último traço característico do espírito de São Luís é a generosidade Foi humana pelo cuidado com que timbrou em distribuir a todos os seus súditos, até aos mais miseráveis, imparcial e reta justiça; foi cristã pelo zelo com que, cheio de humildade, acolhia os pobres, lavava-lhes os pés, servia-os ele próprio assentando-os à sua mesa, e se esforçava por socorres as suas necessidades; foi heroica, enfim, pela magnanimidade que mostrou em várias ocasiões, sabendo vencer sem ódio, e sem guardar ressentimento, perdoar aos seus mais injustificáveis inimigos. 

Generoso com os homens, não o foi menos com Deus. As obras que satisfazem ao comum dos cristãos, pareciam-lhe insuficientes; as superogatorias é que o atraiam. As suas quaresmas eram dobradas; os seus cilícios pungentes; as suas penitências constantes... Não lhe bastou ter efetuado uma grande Cruzada contra os infiéis; não lhe bastou ter ficado prisioneiro deles e sofrido às suas mãos; preparou, assim que lhe pareceu oportuno, uma nova cruzada, e, no serviço em que uma vez perdera a liberdade, quis também perder a vida. Conseguiu-o. Morreu em serviço de Deus, na terra em que pisara o filho de Deus. Morreu como seu modelo e padroeiro, São Francisco de Assis, cantando um salmo, feliz, porque tudo dera a quem lhe dera tudo. 

 

As virtudes que ilustraram a Luís IX, da França, podem e devem ser imitadas pelos irmãos da Ordem Terceira. Para fazê-lo não precisam eles se tornarem reis, nem de encabeçarem cruzadas, nem de irem morrer de peste junto aos muros de Jerusalém; basta-lhes observarem com fidelidade a Regra de sua Ordem e, no exercício de suas profissões, por modestas que sejam, em toda a sua vida, a exemplo de seu glorioso patrono, evitarem cuidadosamente o pecado, amarem fervorosamente a Deus, e prestarem-se com generosidade ao serviço do próximo e da religião.     

Irmão Mario Portal  

Publicado na Revista Eco Seráfico, Órgão da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis, Agosto, 1935, Ano XXIV  




Imagem de São Luís IX, Rei de França, proveniente de Paris em 1897, medindo 1,50 m de altura, em gesso dourado e policromado, vestes com flor de lis, emblema da monarquia francesa, portando numa mão o cetro, na outra uma almofada onde se apoiam relíquias sagradas: a coroa de espinhos e três pregos da crucificação de Cristo. Localizada em altar estilo rococó no transepto da Igreja das Chagas do Seráphico Pai São Francisco em São Paulo.  

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