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A morte da Rainha Santa

 A morte da Rainha Santa 

 

Santa Isabel Rainha de Portugal nasceu por volta de 1270/1271, em Aragão, à época, um dos reinos independentes que formavam a antiga Espanha. Aos doze anos, veio para Portugal, contraindo núpcias com o Rei Dom Dinis (1261 – 1325). Do matrimônio nasceram: um filho, herdeiro do trono, que veio a reinar como Dom Afonso IV; uma filha, Dona Constança, que foi Rainha de Castela. Faleceu em 04 de julho de 1336, em Estremoz. Foi sepultada oito dias depois, em Coimbra, no dia 11 de julho. Tinha cerca de 65/66 anos. 

Após a morte do esposo, em 1325, passou a viver num pequeno paço com abrigo hospitalar para necessitados, que fizera construir junto ao Mosteiro de Santa Clara de Coimbra. A Rainha Santa patrocinava as pobres Clarissas, e, sem ingressar na Ordem 2ª, por especial acordo, frequentava o mosteiro, participava das orações das religiosas, quando possível, e, como antigas Irmãs Terceiras, vestia o hábito das Clarissas, conforme a conveniência de seu estado.  

Na verdade, embora não conste documentação formal de profissão na Ordem Terceira, como é o caso também de Santa Isabel da Hungria, e de outros santos desse período inicial (São Fernando III Rei de Castela, São Luís IX Rei de França, Santo Ivo, São Roque), a Rainha Isabel de Portugal seguia, como leiga, uma vida penitencial franciscana, procedendo em conformidade ao ideal e Regra dos Terceiros, recolhida, em oração e jejum, meditava a Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, observava as quaresmas e as horas litúrgicas, participava da Missa diariamente, com assistência espiritual dos frades menores. E, passando do Evangelho à vida e da vida ao Evangelho. acolhia os pobres, doentes, mesmo leprosos, com amável trato pessoal. Fomentava a paz entre Portugal e os reinos de Espanha. Promovia sempre a união familiar, repetidamente ameaçada, seja por contendas entre o esposo e os filhos, seja por disputas do herdeiro legal com os filhos extramatrimoniais do Rei. Enfrentava consequências. Vítima de incompreensão e intrigas, por intervir nessas conflagrações, em 1321, foi desterrada da corte pelo Rei, sofrendo, destarte, humilhação pública e perda de propriedade e rendas. 

Mesmo exilada por meses na pequena vila de Alenquer, a Rainha procurou seu filho rebelde, que, influenciado por fidalgos ambiciosos, pleiteava a partilha do governo ainda em vida do pai, exortando-o à obediência: “Obedeça. Obedeça a seu pai. É seu pai e seu rei” 

Em 1323, quando as forças do pai e do filho estavam em pé de guerra e já se iniciavam as escaramuças num campo próximo a Lisboa, inesperadamente, surgiu a Rainha Santa, sozinha, montada numa mula, interpondo-se entre as tropas, e pedindo pelo amor de Deus que cessassem o combate. O inusitado da cena surtiu bom efeito: acordou-se uma trégua, garantindo, ao menos, algum tempo de paz.   

Em 1336, instalou-se forte oposição entre o Rei Afonso IV, filho do casal real, que herdara o trono português, com seu sobrinho e genro, Dom Afonso XI, Rei de Castela, neto da Rainha Santa. 

Mais uma vez, buscando estabelecer a concórdia, embora doente, a Rainha Isabel deslocou-se de Coimbra para Estremoz, pois reuniam-se exércitos nessa região para a guerra que se anunciava sangrenta.  

A enfermidade, porém, agravou-se. Recolhida a um leito, as acompanhantes desdobravam-se aplicando compressas a uma fístula, um câncer talvez, que supurava. Em dado momento, perceberam que conversava com alguém, que não conseguiam ver. Chegou a solicitar: “Tragam uma cadeira para a Senhora”. Compreenderam então que a Rainha Santa falava com Nossa Senhora. Pouco depois, numa quinta-feira, 04 de julho de 1336, já noite, despediu-se de todos, e orou em latim: “Maria, mater gratiae, mater misericordiae, tu me ab hostes protege et in hora mortis suscipe” — Maria, Mãe da Graça, Mãe da Misericórdia, protege-me do inimigo e recebe-me na hora da morte”. Em meio a orações, expirou tranquilamente. 

O corpo foi vestido com o hábito de Clarissa e envolvido com lençol de linho fino, ao qual se sobrepôs um envoltório costurado de tecido grosseiro, amarrado com um cordão, sendo, afinal, enrolado em grossa colcha branca de algodão e depositado no caixão mortuário.  

Tendo chegado o filho, o Rei Dom Afonso, após alguma hesitação, em vista do intenso calor e das dificuldades do traslado, o caixão foi revestido de couro, a fim de obviar a propagação dos efeitos de natural decomposição, e colocado num carro de bois, para a viagem de duzentos e sessenta quilômetros, até a Igreja de Santa Clara em Coimbra, onde a Rainha mandara construir um bem ornado túmulo com sua estátua jacente e distintivos reais para nele ser sepultada.  

Conforme o trepidar do transporte na estrada, um suave perfume desprendia-se do ataúde. Oito dias depois, ao entardecer de 11 de julho, também uma quinta-feira, procedeu-se às cerimônias de sepultamento.  Do esquife fluía abundante e perfumado líquido com odor de rosas. Diversas curas milagrosas ocorreram e foram pronta e devidamente registradas por notário.   

A Rainha Santa Isabel de Portugal foi canonizada em 25 de maio de 1625, pelo Papa Urbano VIII. 

Em 1783, Terceiros Franciscanos portugueses, que dirigiam a Fraternidade das Chagas, se propuseram a completar a primitiva Capela, datada de 1676, e, com o denodado concurso de escravos negros e de indígenas, promoveram a construção desta joia do barroco colonial que é a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco em São Paulo. Para a colocação da pedra fundamental foi escolhido o dia 11 de julho de 1784, há 240 anos, portanto, em memória da data do sepultamento da Rainha Santa Isabel.  

A bênção inaugural da nova Igreja e a primeira missa foram celebradas, por notável coincidência, em 11 de julho de 1787, quando se comemorava a oitava da festa da Rainha Santa, em razão do sepultamento, do então Ministro da Ordem, Dr. Luís de Campos, Irmão português que tanto se empenhara na execução do projeto, falecido dias antes, em 09 de julho. 

Nos festejos da edificação, os Terceiros invocavam a proteção da “Gloriosa Senhora e Santa Isabel Rainha de Portugal” — para a Igreja das Chagas e para a Ordem Terceira Franciscana de São Paulo.  

Para além de oportuna afirmação da unidade entre o Brasil e o reino de Portugal, desafiada por sentimentos nativistas, primava a devoção a esta nobre mulher, que se tornou exemplo de santidade pela promoção da paz na família e na sociedade, bem como pela diligente atenção aos necessitados.  Até o final de sua vida, a Rainha Santa administrava seu patrimônio e rendas, dedicando aos pobres parte substancial de seu orçamento. Guiada pela sabedoria do Evangelho, não se deixou embair pelos grandes, mas efêmeros bens, de que fora tão agraciada, juntamente com os numerosos espinhos das tribulações familiares que nobremente enfrentava.  

Como administradora fiel, empregou sua posição social e seu relevante patrimônio para minorar o sofrimento dos pobres neste mundo e amealhar a glória perene no Reino dos Céus. Por isto logrou reunir estes dois títulos tão poucas vezes conjugados: “Rainha” e “Santa”. Foi plenamente Rainha, utilizando, porém, a majestade, o poder e a riqueza, para melhor ser “Santa” — promotora orante e atuante da Paz e do Bem. Leiga-penitente-franciscana: exemplo da Ordem Franciscana Secular.      

Perseverando na devoção dos antigos Terceiros, também hoje na festa de Santa Isabel Rainha de Portugal, os Irmãos entoam um hino recordando  características marcantes de sua santidade: 

 

Gloriosa Senhora e Santa Isabel Rainha de Portugal, 

Com Francisco, guiai nossos passos  

Para sermos de Cristo o sinal 

 

Maravilhas fez Deus em tua vida 

Na família criaste a união 

Entre os povos a paz semeaste 

Para os pobres tu deste o pão 

 

Em tua vida a Jesus tanto amaste 

Que Maria no céu te acolheu 

Quando a morte teu corpo prostrava 

De tua alma o perfume ascendeu 

 

E na apresentação das oferendas, relembrando o milagre dos pães para os pobres que se revelaram rosas, tradicionalmente atribuído tanto à Rainha Santa de Portugal como à sua tia-avó Santa Isabel da Hungria, protetora da OFS, os Irmãos cantam a canção das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado: 

 

Fica sempre um pouco de perfume 

Nas mãos que oferecem rosas 

Nas mãos que sabem ser generosas  

 

Dar do pouco que se tem — A quem tem menos ainda 

Enriquece o doador — Faz sua alma inda mais linda 

 

Dar ao próximo a alegria – Parece coisa tão singela 

Aos olhos de Deus, porém — É das artes a mais bela 

 

Tal se cumpriu literalmente, e com abundante intensidade, na vida e na morte de Santa Isabel Rainha de Portugal. Foi uma bela morte, que veio selar uma bela vida. 

Que também nós espalhemos pelo mundo o bom odor de Cristo.  

Gloriosa Senhora e Santa Isabel Rainha de Portugal, rogai por nós. 

 

Edmilson Soares dos Anjos  



6. Túmulo com jacente de Dona Isabel de Aragão, a Rainha Santa – Jacente. Foto: José Custódio Vieira da Silva. Copyright: Projecto Imago



Estátua jacente da Rainha Santa Isabel   

 

Estátua jacente em pedra calcária de ançã, de túmulo mandado construir por Santa Isabel Rainha de Portugal, em 1330, para sua sepultura na velha Igreja de Santa Clara em Coimbra. Note-se a testa larga, sobrancelhas finas, estrabismo convergente, rosto oval, pele clara e a feição juvenil que inspirou o belo quadro do pintor flamengo Quentin Metsys (1466-1530), reproduzido na nota de 50 escudos, emitida pelo Governo português em 1964. 

A rainha tinha cabelos loiros, era esbelta, medindo 1,76 cm de altura, mais alta do que seu esposo, o Rei Dom Dinis, que media 1,65 cm de altura.  

Cf. CUNHA, Maria José, Isabel: a mulher que reinou com o coração, Ed. Vinha da Luz, Belo Horizonte, MG, 2012, p 48/50.    

Foto: José Custódio Vieira da Silva. Copyright: Projeto Imago 



O Tesouro da Rainha St.ª Isabel / MNMC | Mutante Magazine


Rainha Santa Isabel de Portugal 

Autor: Quentin Metsys, pintor flamengo (1466-1530) 

Óleo sobre madeira (c. 1510-1520) 

Gemaldegalerie, Berlim 

                                                                                                     

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