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Emoção e formação no Encontro da Família Franciscana




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São Paulo (SP)
– O dia frio na capital paulista, que mais parecia continuação do inverno do que a estação primaveril, não desanimou a Família Franciscana do Regional de São Paulo, que se encontrou pela 35ª vez no ginásio de esportes do Colégio Franciscano Pio XII, no Morumbi, para celebrar o carisma franciscano. Cerca de 500 franciscanos e franciscanas das três Ordens de todas as Congregações, masculinas e femininas, da Jufra, dos simpatizantes do ideal de São Francisco e Santa Clara, se emocionaram e refletiram sobre a Misericórdia durante todo este domingo, 25 de setembro.

Desta vez, sob o tema da misericórdia deste Ano Jubilar, o provincial Frei Carlos Silva, da Província da Imaculada Conceição dos Frades Menores Capuchinhos, iniciou a reflexão durante a Celebração Eucarística que abriu o evento. Na procissão de entrada, as fraternidades presentes trouxeram colchas de retalhos de um metro quadrado mostrando nelas as obras de misericórdia que estão presentes no dia a dia.

Frei Carlos ressaltou a alegria de reunir a Família Franciscana. “Entre nós, só falta a Segunda Ordem. Queremos trazer presente as nossas Irmãs Clarissas com a nossa oração. Então, onde elas estão por esse Estado de São Paulo, nós queremos entrar em comunhão com elas neste dia”, pediu o celebrante e palestrante do dia.
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Frei Carlos também agradeceu as Irmãs de São Francisco da Providência de Deus pela acolhida no Colégio e a nova equipe do Regional da CFFB-SP, coordenada por Frei José Orlando Longarez, OFMCap, e Irmã Ivoni Lourdes Fritzen, IFCR.

Na homilia, que Frei Carlos dividiu com os concelebrantes, o Evangelho deste domingo (o rico e o pobre) reforçou o tema do encontro. Segundo o Provincial dos Capuchinhos, observadores chamam a atenção de que está crescendo em nossa sociedade, em nosso mundo, a apatia, ou falta de sensibilidade diante do sofrimento alheio. “Cada vez mais somos indiferentes, insensíveis. Tem alguém morrendo do nosso lado, passando à nossa frente, e vivemos um momento de insensibilidade. Nós evitamos, de mil maneiras, o contato direto com aquele que sofre. Pouco a pouco vamos nos tornando cada vez mais incapazes de perceber a aflição daqueles que sofrem. A presença da criança pedindo esmola ou de um morador de rua em nosso caminho, nos incomoda. O encontro com um doente terminal nos perturba. Não sabemos o que fazer, muitas vezes nem o que dizer. Só no centro de São Paulo são 18 mil moradores de rua. Nos sentimos incapazes, muitas vezes. Então é melhor voltar o quanto antes para nossas ocupações, para não nos afetarmos com essa situação”, lamentou Frei Carlos.

“Lázaro estava no portão da mansão daquele rico que não tinha nome. A única ajuda que Lázaro teve veio do alto. O rico só foi perceber a existência de Lázaro quando ele estava no lugar dos mortos e Lázaro no lugar da vida. Mas já havia um abismo tão grande…”, completou o celebrante.
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Frei José Orlando confessou que estava emocionado ainda com o menino norte-americano que enviou uma carta para o presidente Barack Obama pedindo para buscar o garotinho sírio que foi salvo da guerra e estava naquela ambulância, todo sujo de terra, com sangue escorrendo no seu rosto. Ele disse: ‘Você poderia buscá-lo e trazê-lo para a nossa casa… estaremos esperando por vocês com bandeiras, flores e balões. Daremos ao menino uma família e ele será nosso irmão’. É tão forte isso neste tempo de insensibilidade com o sofrimento, que nenhum de nós pensa em escrever para o Obama, para o Governador, para o Provincial, para a Madre Superiora, para trazer alguém para perto do coração da gente. É assim que a gente aprende a ser misericordioso. Ficar perto dá para resolver. Não dá para fazer milagre, mas o milagre da ternura fraterna, o milagre da presença franciscana dá para fazer”, disse, lembrando que Teresa de Calcutá, a santa, a Irmã Dulce e tantas outras pessoas nos ensinaram a amar, a sermos presente e sermos misericordiosos.

Para Frei Mário Tagliari, OFM, guardião do Convento São Francisco, foi determinante para São Francisco o encontro com o leproso. “De tal forma determinante que ele coloca isso no seu Testamento. ‘Como eu estava em pecado, era difícil ir até eles. Mas o Senhor mesmo me reconduziu e fez misericórdia para com eles’. Eu li nesses dias alguém dizendo assim: ‘Quando a doença do outro, de tantas formas, se apresenta para nós e não nos comove, não muda nossa atitude, quem está doente não é ele, o doente, mas somos nós’. O Papa Francisco chama a atenção para o maior pecado do nosso tempo: a globalização da indiferença. Em Lampedusa, diante de tantos imigrantes, e lembrando tantos que morreram no mar buscando qualidade de vida, ele chora e lamenta a nossa incapacidade de chorar com a dor, com a morte e com o sofrimento das pessoas”, insistiu Frei Mário, contando que o Convento São Francisco, que acolhe moradores de rua para o “Chá do Padre”, passou a ser também albergue improvisado durante o último inverno na cidade. Mesmo com o final da estação de inverno, os moradores não querem ir para os albergues da cidade, mas querem ficar ali no Convento, que não tem estrutura de albergue. “Quem sabe aí esteja um pouquinho daquilo que podemos fazer. Fazer a diferença, acolhendo com amor, como irmão e irmã, aquele sofre”, completou.

Frei José Hugo, OFMConv, disse que este Evangelho do rico e do pobre Lázaro é “quase que uma provocação” para nós neste dia, pelo simples fato de sermos franciscanos e franciscanas. “Nós sabemos que Francisco se encantou por uma senhora, por uma dama, que ela chamava de Dama Pobreza. É deste carisma que emanam a fraternidade, a minoridade, o serviço. E sinto, particularmente, que toda vez que estamos distante desse carisma, Deus nos provoca, Deus nos cutuca. Ilustro com uma breve história: Eu moro em Santo André, no ABC Paulista. Ao lado da nossa casa existe uma praça que, infelizmente, está bastante degradada e, ali, mora um senhor chamado Dorival. O Frei Arnaldo e o Frei Tiago estão aqui comigo e sabem muito bem dessa história. Na noite do último Natal, no dia 24 de dezembro, ele tocou a nossa campainha. Nós tínhamos saído da Missa de Natal da igreja e estávamos preparando a Ceia dos Frades. Vendo-o pelo monitor, disse na minha correria: ‘Dorival, espere um pouquinho que a gente já vai levar um lanche para você’. Toda vez que ele toca a nossa campainha é porque está precisando de algo. E ele me disse: ‘Frei, não precisa trazer nada. Venha aqui um pouquinho’. Disse: ‘Tá bom’. Nem imaginei o que ele queria. Abri a porta e ele trazia nas mãos uma sacola enorme, com frango, lasanha, maionese, e outras coisas que ele ganhou e disse: ‘Frei, é muito para mim. Leva para você e para os seus confrades”. A minha noite de Natal aconteceu ali. Nunca tinha visto algo desse tipo. É muito fácil nós, que temos recursos, e até bens em quantidade grande, tentarmos partilhar. Mas quando vemos que essa partilha vem de onde menos se espera, de onde menos se tem condições, aí a gente se espanta. Por isso, eu acredito que o nosso carisma não está morto. Como o Papa Francisco falou no Ano da Vida Consagrada, nós precisamos olhar com esperança o futuro, não apenas colher os louros do passado. Que nosso esse nosso Encontro seja mais uma provocação para redescobrirmos e vivermos com fidelidade, e alegria, o nosso carisma”, contou o frade conventual.

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Irmã Ivoni, IFCR, e Sônia Correia, OFS, também foram convidadas para o altar. Irmã Ivoni lembrou que hoje é também o dia da Bíblia. “A Palavra de Deus vem, fecunda, e ela não volta sem produzir frutos. Viver o carisma franciscano significa para nós viver a Palavra, a Palavra feita Carne”, assinalou.

Sônia, deu um belo testemunho neste Ano da Misericórdia ao falar sobre o lema do encontro “E fiz misericórdia com eles”. Há quase 20 anos, quando ela e seu marido resolveram adotar um menino soropositivo de 4 anos e surdo, foram chamados de “loucos”. Hoje, com 23 anos, João Vítor tem sua carga viral indetectável, cresceu no meio da Fraternidade Franciscana e tem a sua namorada. “Faço este depoimento para mostrar que a misericórdia de Deus foi muito maior do que tudo e que amor permanece entre a gente. Quero agradecer a Deus por nos ter dado esse amor. Mesmo ele sendo surdo, ele participa de todos os eventos franciscanos. Só tenho a agradecer a Deus misericordioso. Que Deus continue nos dando forças para ajudar aqueles que necessitam do nosso amor”, revelou.

FREI CARLOS: Ninguém nasce pronto. É preciso dar o primeiro passo em direção da misericórdia”.


O Provincial dos Frades Menores Capuchinhos, Frei Carlos, falou sobre o Perdão de Assis no contexto do Ano Jubilar e lembrou o documento dos Ministros Gerais para este evento no começo de agosto. Frei Carlos partiu de Assis, onde está fonte de todo o carisma franciscano, para chegar ao novo tempo que o Francisco de Roma nos propõe.

Citando Frei Vitório Mazzuco, lembrou que a Porciúncula é um lugar fontal para os franciscanos e franciscanas. “Se Assis é a ‘capital do espírito’, a Porciúncula é o lugar necessário a toda humana criatura do nosso tempo”, disse, lembrando que em Assis emana o único fascínio: o retorno ao Evangelho.

Em Assis está a Porciúncula, o berço da fraternidade. “Ali os acontecimentos são vivos e presentes. Ali viveu Francisco, Clara, ali morreu Francisco. Ali nasceu a Ordem, ali foi feito o primeiro Capítulo das Esteiras. É ou não é um lugar fontal?”, perguntou, dando uma pausa para exibir um vídeo que fala do novo Francisco sob o título “Para uma sociedade nova”.

Frei Carlos explicou a origem do Perdão de Assis e disse que celebrar o Perdão é comprometer-se com uma nova maneira de ser e estar no mundo. “Como estou no mundo hoje? Padre eu ando com tantas dores… (risos). Dói a perna, os braços, as costas, a cabeça, a consciência… Quando começa a doer a cabeça é um aviso de que algo não vai bem”, brincou.

Segundo o frade, o Perdão de Assis é também se comprometer no cuidado da Casa Comum, se “não nossa casa vai entrar em colapso”. “Vejam quantas pessoas nós atingimos nas paróquias, nos colégios, nas obras sociais, e como essa questão da Casa Comum é tão maravilhosa. Mas como estamos tratando dessa tema?”, perguntou, novando fazendo referência ao Papa Francisco, que com a Laudato Sí chamou não só a atenção dos cristãos, mas de toda a humanidade.

“Nós estamos em rede e interligados. Somos iluminados pelo que o Papa Francisco nos aponta na sua Encílica Laudato Sí e nasua Carta Misericórdia Vultus“, disse.

No final, Frei Carlos disse que não adianta passar pelas Portas Santas e não ter uma atitude de conversão. “A minha vida tem que ser um sinal concreto de Deus está perto de nós. Pequeno gesto de amor, de ternura, de cuidado, que levam a crer que o Senhor está perto de nós. Só assim se abre a porta da Misericórdia”, lembrou.

“Ninguém nasce pronto. É preciso dar o primeiro passo em direção da misericórdia. Dê o primeiro voo. A caridade tem que ser feita. Francisco diz: ‘E fiz misericórdia entre eles’.”, completou.

Após a reflexão houve um momento de partilha e convívio. O Encontro também teve apresentações culturais e a nova coordenação regional foi apresentada aos participantes, assim como as metas do triênio. Em seguida, os participantes se dividiram em grupos para estudar o tema. O Encontro terminou com uma procissão no pátio do Colégio Franciscano Pio XII.

Fotos: Paulo Henrique (Província dos Capuchinhos de São Paulo)

Texto: Moacir Beggo (Província Franciscana da Imaculada Conceição)









Fotos: Arquivo Pessoal

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