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Em meio à crise e titubeios, a força do Ressuscitado


Frei Gustavo Medella

“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que os pobres não têm comida, me chamam de comunista”. A frase, atribuída a Dom Helder Câmara, bispo brasileiro já falecido e com processo de beatificação em andamento, apresenta duas dimensões da prática cristã que vêm da origem das primeiras comunidades dos discípulos de Cristo: o socorro imediato das necessidades urgentes daqueles sofrem com a falta do mínimo necessário à vida e a busca de uma organização social que propicie um ambiente de partilha e respeito incondicional à vida de todos. Este ideal vem expresso na descrição que o livro dos Atos dos Apóstolos ao se referir às comunidades do cristianismo primitivo: “Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um” (At 4,34-35).

Segue breve reflexão sobre cada uma destas práticas:

1) Socorrer as necessidades imediatas

Esta instrução está perfeitamente conforme os ensinamentos e a prática de Jesus. Encontra respaldo em diversos trechos do Evangelho, entre eles Mt 25,35-45, que narra a acolhida amorosa no Reino da Eternidade àqueles que em vida socorreram o próprio Cristo na figura do faminto, do prisioneiro, do doente, do sem-teto etc. Também desta máxima nascem as obras de misericórdia, atos de amor que vêm em auxílio da vida quando esta se vê ameaçada a partir das carências mais básicas. Historicamente, a Igreja Católica tem se debruçado com muito afinco e seriedade sobres estas exigências em todas as partes do planeta. Também se percebe o empenho sincero e esforçado de irmãos de outras denominações religiosas cristãs e não cristãs, além de muitos outros grupos de pessoas de boa vontade. O empenho nesta direção costuma ser muito aceito, elogiado e apoiado. Quem tem muito dinheiro e poder costuma apostar nestas iniciativas, talvez como um possível esforço apaziguador da consciência. No entanto, sem o combate às causas profundas das desigualdades e injustiças, tais esforços, ainda que nobres e consoantes ao ideal evangélico, apresentam-se como soluções paliativas.

2) Promover mudanças na sociedade

Quando adentrava nesta seara, Dom Helder passava a ser rotulado como comunista. A transformação social de um sistema, pautado no lucro e na concentração de renda e recursos que produz números astronômicos de pobreza e miséria, representa um desafio bem menos simpático do que o primeiro. Implica na ruptura de privilégios, no cultivo de um espírito bem menos egoísta e disposto à partilha, no treinamento constante em abrir mão de luxos e requintes para uma vida mais modesta, mas mesmo assim muito digna, a ser espalhada para o maior número possível de pessoas, com a meta de se alcançar a todas. Trabalhar nesta direção incomoda e gera injustiças, perseguições e até a morte. Trata-se de uma entrega incondicional ao mesmo projeto de vida a que Jesus entregou a sua vida. Também este é compromisso irrenunciável do cristão.

Que a força do ressuscitado, aquele que traz em si as feridas da cruz e da injustiça mostrando que toda dor pode ser ressignificada no amor e na entrega, seja a força daqueles que pretendem ser os seguidores de hoje do Filho de Deus. Mesmo que venham as crises e titubeios, como vieram a Tomé, os cristãos sigam em frente, com força e coragem na vivência da proposta do Reino.

Fonte: http://franciscanos.org.br/

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