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Carta Advento 2017

São Paulo, 27 de novembro de 2016.



Caríssimos irmãos,


Advento! É ir ao encontro do Deus que vem!

Natal é a origem da luz! Na fragilidade de uma criança temos a força da salvação e a luz que se irradia para percorremos o caminho. Quem se encontra com Deus, usufrui dessa luz, quem tem a luz, não tem mais medo! Deus vem em nossa direção através do outro cujo rosto não conhecemos.

Advento é tempo de vigilância. Tempo de se comprometer com a vida, com a nossa vocação. É tempo de decidirmos agora, qual o caminho que queremos seguir, para que alcancemos nosso objetivo que está lá adiante, pois no fim será ratificado o que fizemos neste mundo.

Vamos examinar nossas consciências, sairmos da rotina, buscarmos o silêncio, a quietude para nos esvaziarmos de tantas inutilidade em nossas mentes e corações e darmos espaço para o Menino Deus que vem nos iluminar com sua luz.

E para melhor refletir, transcrevo a crônica de Frei Isidro Pereira Lamelas, ofm, que numa linguagem leve e divertida nos ajudará na preparação deste Advento.

Que o menino das Palhas os abençoe.



Antonio Julio Martins
Ministro Regional



Primeira Conferência dos Animais do Presépio

Os animais do presépio resolveram reunir-se, para celebrar 2016 anos de serviço assíduo como figurantes no cenário da noite de Belém.

Depois de terem acertado que seria o galo a moderar o encontro, este começou por saudar todos os presentes, recordando a singular hora que era para todos, o fato de o Rei dos Reis ter nascido entre os animais que, mais uma vez, se reuniam no presépio, para celebrar a noite mais importante das suas vidas. Logo em seguida, exortou a que cada um falasse da sua experiência naquela noite e do que resta desse acontecimento em nossos dias.

Teve então início o seguinte colóquio de que tomou nota o próprio galo que, com pena fiel, ia redigindo tudo o que se passava e dizia.

- Para ti, cachorro, o que foi e o que significa o natal? Perguntou o galo àquele que dizem ser “o melhor amigo do homem”.

- Lembro-me como se fosse hoje, daquela noite mágica em que tudo parou para contemplar uma estrela especialmente luminosa. Nessa noite nem eu nem as ovelhas do rebanho que estavam a meu cuidado sentimos frio; pressentíamos, isso sim, que algo de extraordinário estava para acontecer e que tudo ia mudar para melhor. Mas passaram os anos e os séculos, e o natal continua a ser para muitos uma noite fria em que muitas “ovelhas sem pastor” continuam a dormir ao relento, por não haver teto nem lugar para elas. Fico triste ao ver que o lobo continua a aterrorizar o cordeiro e a onça não deixa dormir sossegados, os cabritos. E aqueles que se consideram animais mais racionais do que nós, continuam a comportar-se pouco razoavelmente: gostam muito que sejamos seus “fiéis amigos”, mas não são amigos fiéis uns dos outros. Organizam conferências para melhorar o clima da terra, mas não se preocupam muito em melhorar o clima humano que em Belém nos foi prometido.

- Estou totalmente de acordo - interrompeu o galo, para evitar que o cachorro, conhecido por gostar de ficar com a língua de fora, se alongasse. E, como nunca gostou de ser o último, logo aproveitou para dar seu testemunho:

- Recordo que eu fui dos que assisti mais de perto a esse acontecimento singular. Coube-me mesmo o privilégio de servir de sentinela no estábulo em que o Salvador nasceu. E foi algo de inenarrável: por toda a parte se ouviam melodias que mais pareciam vir do céu, nesse dia resolvi não dar o habitual sinal de alvorada, para não acordar aquele encantador Menino, mas também porque tanto desejava que aquela noite nunca acabasse e a magia e paz daquele Menino se prolongassem pelos séculos. Mas não foi o que aconteceu. Muitos o ignoraram, alguns negaram-no antes do cantar do galo, outros até reconhecem que “outro galo cantaria” se o natal não fosse um dia. Mas todos querem é o poleiro e estar acima dos demais. Muitos cantam de galo com o papo cheio, enquanto outros passam fome; tantos são vítimas de injustiças que bradam aos céus e nós calamos o bico. E mesmo os que se dizem mais piedosos, confundem frequentemente a Missa do Galo com o galo da mesa. Por isso e lamentavelmente é que o Natal é uma noite como as outras, em que as raposas matreiras continuam a rondar as capoeiras e a ameaçar os mais fracos e inocentes. E o pior é que já ninguém escuta o nosso canto matinal, para não despertarem das trevas em que vivem…

Foi então a vez da ovelha mais velha entrar na conversa.

- Eu não gosto muito de falar, pois, como se diz no rebanho, “ovelha que berra, bocada que perde”. Mas sobre aquela noite não posso realmente calar. Todas as do nosso rebanho nunca mais esqueceremos. Foi tal a emoção que, a certa altura demos conosco a balir a mesma melodia dos anjos e a doces palavras “Menino de Belém”. Foi uma experiência de paz única. Pela primeira vez na nossa vida sentíamos que, afinal, não havia ovelhas “com defeito” nem mais haveria ovelhas perdidas. Mas tenho que confessar que os Natais de hoje estão muito longe daquilo que outrora sonhamos. Continua a haver discriminação entre as ovelhas “negras” e as que se consideram de melhor raça; continua a haver ovelhas que são tosquiadas e levadas ao matadouro sem direito de defesa; cordeiros inocentes que não têm voz nem vez são devorados pelos lobos que atacam sempre os mais fracos; há entre nós muitas feridas e sofrimentos que ninguém cuida nem cura; muitos dos pastores que dizem servir o rebanho, servem-se é dele como ditadores que, em vez de cuidar das suas ovelhas, as exploram quanto podem. Ora isto não tem realmente nada a ver com o que aquela noite prometia.

Foi então que, do meio do rebanho, se ouviu a voz grave do carneiro, que estava ansioso por marcar a sua posição hierárquica:

- Por mim, acho que estamos muito pessimistas. Temos que ser práticos e realistas. Afinal o mundo sempre foi assim: uns são mais fortes, outros mais fracos; uns mandam, outros obedecem; uns dão a lã, outros tosquiam, uns vendem outros compram; uns têm mais, outros menos… O mundo está feito assim e não é uma numa noite especial ou da noite para o dia que isso se vai alterar. Por mais que nos custe, “bodes expiatórios” sempre existiu e continuará a existir. Portanto, desfrutemos a poesia do natal possível já que aquele que os profetas prometeram não é para este mundo nem é para nós.

E tu, camelo, que estás tão calado, tu que és tão viajado, o que é que tens para nos contar sobre o natal? Perguntou o carneiro na esperança de encontrar uma voz concordante com o seu depoimento.

- Estava mesmo ansioso para entrar na conversa, pois vejo-vos todos muito pessimistas.

- Para mim, o Natal é uma época muito legal: grandes viagens, carregar presentes daqui para ali, caravanas e filas nas estradas e nas lojas dos presentes. É um stress e cansaço danado, mas ajuda a esquecer os maus momentos da vida. É verdade que ultimamente querem nos substituir por umas renas incompetentes ao serviço de um intrometido velho barbudo. Mas é, como se diz agora, a concorrência da globalização. A nós camelos, ninguém nos tira o privilégio exclusivo de ter levado os Magos ao curral de Belém com os mais valiosos presentes do mundo. Só lamento que muitos continuem a não perceber que estamos todos fazendo a mesma viagem, independentemente da cor, raça ou cultura que transportamos conosco. Mas, com paciência, lá chegaremos!

Por falar em curral - moderou o galo – há aqui alguém que, de certeza, terá muito que contar: refiro-me aos nossos amigos burro e vaca que assistiram a tudo muito de perto. Ninguém como vós, com certeza, nos pode falar do Natal!

Ao ouvir, a vaca despertou do seu ar meditativo para proferir a opinião que ia ruminando à medida que escutava a conversa dos outros animais:

- Para mim o Natal é uma noite muito especial e cheia de memórias muito alegres: Nunca poderei esquecer a beleza e bondade daquele Menino que, ao nascer no nosso estábulo, nos veio ensinar que para todos deve haver um lugar digno neste mundo. Ele nasceu na nossa manjedoura para ser alimento para todas as vidas e para que a nenhum ser vivo falte o alimento. Porém, ao mesmo tempo, também ando muitas vezes com este ar triste por lembrar que continua a haver quem passe fome, quem não tenha um teto, quem não encontre amigos dispostos a aquecer suas noites frias… e ainda por cima nos chamam a nós “vacas loucas”! Mas logo me alegro ao pensar que tão ilustre Menino nasceu realmente entre nós, na nossa manjedoura, no coração da nossa vida. É pena que nem todos o reconheçam como nós o conhecemos, o nosso dono; lamento que em vez de arados se continuem a fabricar armas; é triste que o bezerro e o leão não possam conviver em paz e que a vitela e a ursa não possam pastar juntas. Tantas vezes dou comigo a ruminar porque é que, se aqui no Presépio todos convivemos em harmonia e respeito, ainda se constroem muros de separação entre nós, porque não sabemos conviver em paz. De qualquer modo, sinto-me muito feliz por poder partilhar o meu feno com o burro, e aquecer com minha companhia as noites frias dos que nos batem à porta.

Chegou então a vez do burro que, mantendo o seu ar meditativo, sussurrou:

- Eu só tenho dizer bem do Natal e não me importo nada de passar por “burro” todo o ano só para ter este lugar de destaque no Presépio e na bela história do Natal. Não compreendo porque tantos se lamentam pelo “peso” da vida, pelos trabalhos e cargas que ela implica. Eu, que não me considero mais inteligente que os outros, há muito percebi que o verdadeiro significado do Natal é o Menino que nasceu na manjedoura e não me venham dizer que é “burrice” saber distinguir a palha do grão ou os embrulhos do presente de Deus que é esse Menino, que assim nasceu para nos dar uma grande lição: Se depois de tantos séculos o Presépio continua a ser a mais bela representação da vida e da criação, então esse Menino deve estar não apenas nas Igrejas, mas nas mesas e nos altares de todas as criaturas de boa vontade.

E como a hora se ia adiantando, o galo retomou a sua tarefa de moderador para concluir, com o seguinte comunicado final para enviar a todo o reino animal:


- Parece realmente verdade que o Natal não é bem como Jesus quis, ou como todos nós desejávamos. Talvez por isso, o Filho muito amado do nosso Criador quis nascer entre nós suas criaturas, ainda que dotadas de pouca razão. Afinal que adianta ter razão quando não se usa! Seja como for, para o ano e todos os anos aqui estaremos de novo nesta quadra de Natal para mostrarmos aos outros animais que se julgam mais racionais: Primeiro, que o Menino que vimos nascer em Belém não gosta muito de vitrines nem de presentes que não sejam naturais; segundo, que Ele não está à venda no mercado das religiões, nem é marca registrada de ninguém. Na verdade, Ele é o “Deus entre nós”, que se dá de graça a todos e mormente: a quantos O acolhem com a alegria das aves e dos anjos; aos que O buscam com a fidelidade e o afeto dos cachorros e dos pastores de rebanhos e de sonhos; a quantos O imitam com a mansidão dos cordeiros e dos servos de Javé; aos que O seguem com a bondade laboriosa dos jumentos e dos que carregam os fardos do próximo; e aos que O anunciam com a paciência e itinerância dos camelos e peregrinos de longos caminhos.

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