O céu estrelado
Quando soou jubilosa a vitória pelos céus e altos céus em torno do Empíreo, milhões de milhões se agregaram de anjos, luzentes na glória, tremendos no poder, maviosos no canto, exaltando a Javé, Deus forte, Deus único, Deus poderoso.
A voz do Arcanjo retumbante ecoou por todo universo, explodindo no ouvido do Grande Demônio:
— F O R A!
E súbito arremessado, o Grande Demônio, pelos túneis das eras ao longo do espaço, tentava agarrar-se, arrancando asteroides às estrelas girantes.
Os negros raios do olhar magoado, na terrífica dor que o peito oprimia, amalgamavam-se ao gélido grito assombroso da boca sombria, formando os negros buracos de horror no universo espalhados.
Até que estatelou-se o Grande Demônio neste planeta pequeno de um braço qualquer da Grande Galáxia.
Estas coisas pensava eu olhando o céu estrelado, voltando-me então para o Grande Demônio, quieto ao meu lado, julguei perceber numa mossa qualquer da face sombria um resto brilhante de pó estelar ainda encravado.
— Claudicas? — perguntei.
— Como? — disse ele.
— Certamente claudicas — insisti.
— Levemente — me disse. — Tanto tempo passado, e me restam sequelas da queda que aludes. O que mais me aflige, porém, é ver-me assim perambulando pelas ruas abjetas deste abjeto planeta, deitando a perder as almas, trabalho muito aquém da minha capacidade, justo eu que desde o primeiro instante do meu ser desejei o mais e o melhor para mim.
Ah, pensei, o quotidiano é um pântano onde afundam-se os grandes ideais. Imerso em seus pequenos cálculos diários, computando suas imediata subsistência ou fingidas necessidades, o ser humano esquece de olhar as estrelas e perguntar-se a si mesmo: “Como pode existir um mundo como este? Como pode existir uma criatura como eu?”
Ah, pensei, estamos tão próximos — eu e o Grande Demônio — pois eu também fui expulso de um paraíso alhures, enquanto dormitava inda nos rins de Adão, pois o Deus que conhece o futuro viu-me assentindo orgulhoso ao pecado original.
Mas que destino diverso nos é proposto por enquanto, que significado diverso têm, por enquanto, as estrelas para nós!
Infinito horizonte se abre ao meu ser. O Deus que me vê, me ama, e diz: “Vem!”. E eu digo: “Eis que já vou, Senhor!”. E na ponta dos pés eu lhe estendo a mão.
Sei que estas palavras não proferiu minha boca, mas o Grande Demônio as conheceu todas, pois que em meu rosto brilhava o riso de Abraão.
Como as águas que rolam em profunda caverna e ao alto chega apenas soturno rancor, chegou-me longínqua aos ouvidos a voz do Grande Demônio:
— “A cana sobre a qual te apoias acabará por transpassar-te a mão”.
Não sei até hoje a quê se referia, pois ele, no mundo, junto a mim circulava, mas a mão da minh’alma era Deus que apertava.
Sem lhe querer causar dor, que é já imensa agonia que a sua alma corrói, e se espalha na face sombria, eu disse:
— Grande Demônio, vê como é belo o céu estrelado!
Com os olhos baixos, ele disse-me apenas:
— Mas não é para mim.
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