A Paixão de Jesus Cristo e a
Ordem III de São Francisco
A
segunda metade do século XIV foi uma época tumultuosa para a Europa e para a
Igreja. Os partidos desolavam a Itália; os Papas, afastados de Roma, residiam
em Avignon, os heréticos se multiplicavam e já começavam as calamidades, que no
século XVI se transformaram no grande cisma do Ocidente.
No meio destas desgraças, Deus
escolheu na Ordem Terceira Francisca almas de elite que, por suas penitências
na solidão, ou por suas maravilhosas ações no mundo, revelações ou profecias
com que foram favorecidas, deviam afastar os males de santa Igreja e impedir a
perdição das almas.
Uma dessas Terceiras, favorecida
pelo céu e escolhida para a regeneração de sua época, foi Santa Brígida da
Suécia. A história nos diz que desde a infância era extraordinária a sua
devoção aos sofrimentos do Salvador. Na idade de 10 anos ouviu um sermão sobre
a Paixão; na noite seguinte apareceu-lhe o Salvador pregado na cruz, crivado de
golpes e de chagas, ensanguentado, coroado de espinhos.
— Ah! Senhor! — exclamou ela. — Quem Vos pôs
neste estado?
Jesus respondeu-lhe:
— Aqueles que desprezam o meu amor.
A
visão desapareceu, deixando Brígida mergulhada na mais acerbada dor.A partir
desde momento, era a Paixão de Jesus Cristo o constante objeto de suas
meditações. A lembrança das incríveis torturas do Calvário penetrara de tal
modo em seu espírito, que a fazia derramar abundantes lágrimas.
Mais
tarde, por ordem do Senhor, fez a peregrinação à Terra Santa, onde recebeu do
Salvador as mais preciosas graças, tornando-a conhecedora de seus mais íntimos
mistérios.
Em
compensação, era com extraordinário e incansável ardor que sabia combater os
vícios do povo e dos nobres, até mesmo dos eclesiásticos, representando-lhes ao
vivo as chagas que produziam em Jesus e sua Esposa, a Santa Igreja, e os
terríveis castigos que os esperavam, se não fizessem penitência.
Não foi por meio de viagens e exortações ao
povo que um século antes a Bem-aventurada Veridiana exerceu sua influência na
Igreja, mas por incríveis penitências na sua reclusão e pelo poder de seu
exemplo às populações dos arredores.
Nada
é mais admirável do que a narração da sua partida para a clausura, tal como nos
transmitiu o antigo biógrafo: “Quando a estreita cela foi construída ao lado de
um oratório dedicado a Santo Antônio perto de Castelfiorentino, Veridiana se
dirigiu à igreja onde toda a população se achava reunida. Aí, depois de ouvir a
santa missa e recebera santa comunhão, tomou em seus braços um grande crucifixo,
apertou-o contra o coração, beijou-o repetidas vezes, e, em seguida,
encaminhou-se humilde e recolhida para a sua solidão. O povo, profundamente
comovido, acompanhava-a, desejando-lhe muitas felicidades. Ao chegar à entrada
de sua clausura, a santa voltou-se para a multidão, e, com sorriso angélico,
despediu-se de seus caros compatriotas, pedindo-lhes que não a esquecessem em
suas orações. Todos, então, a uma voz exclamaram: — Sede bendita, Veridiana,
verdadeira serva de Deus, rogai por nós, pecadores, que imploramos a vossa
proteção! A santa abraçando ternamente a cruz e beijando-a novamente, com
devoção, entrou na sua cela, cuja porta se fechou imediatamente”.
Veridiana
aí viveu trinta e quatro anos, uma vida toda celeste, crucificando o corpo por
todos os meios sugeridos pelo amor a Deus, a constante lembrança da Paixão de
Jesus Cristo e a ardente sede de salvação dos pobres pecadores. No meio dessas
singulares provações, a cruz que levara consigo e as chagas do divino
Crucificado eram sua força, consolo e sustento.
Foi também na cruz que a Bem-aventurada
Miquelina de Pesaro, outra terceira ilustre, que encontrou o segredo de viver
santamente no mundo. Viúva, muito moça de um príncipe Malatesta, despojou-se de
tudo para vestir o hábito da Ordem Terceira de São Francisco e viver na maior
pobreza. Desde o princípio de sua vida penitente, entregou-se à meditação dos
sofrimentos do divino Redentor e compartilhou as suas amarguras. Quando a
perseguição chegou até a sua pessoa, sofreu tudo com alegria por se ver associada
às ignominias de seu Salvador crucificado.
Alimentou
sempre em seu coração o desejo de visitar os lugares santos, teatros dos
sofrimentos do Homem Deus. A ocasião se apresentou e pôde, então, realizar o
seu piedoso desejo, reunindo-se a um grupo de peregrinos que também foram
venerar os lugares consagrados pela vida e morte do Redentor. Nada comoveu-a
tanto como o Calvário, aí rezou com tanto fervor que foi transportada em êxtase.
O Salvador apareceu-lhe e encheu-a de grandes consolações. Quando voltou a si,
falou da Paixão com palavras tão ardentes que eram como setas que transpassavam
os corações de amor e compaixão.
Antes
de terminar este século XIV, que é o segundo da Ordem franciscana, poderíamos
ainda citar muitos outros santos cuja história nos aponta a especial devoção
aos sofrimentos do Salvador. Uma vez, Nosso Senhor se dignou aparecer a Clara
de Rimini, outra penitente célebre da Ordem Terceira; mostrou-lhe a chaga de
seu sagrado lado, e disse-lhe que pedisse todas as graças que desejasse. A
santa suplicou-lhe então a conversão para os pecadores e para si a graça de
compartilhar as dores da Paixão.
Eis
aí o espírito de todos os nossos santos nestes primeiros tempos. Modelados pelo
Estigmatizado do Alverne, só tinham uma ambição: — compartilhar das dores de
Jesus Crucificado. Para este fim encaminharam suas aspirações, esforços,
penitências e orações. Vivendo no claustro, na solidão ou no mundo, pregando,
viajando, orando ou trabalhando nas inúmeras obras de caridade, era da Paixão
de Jesus Cristo, sempre na memória, que hauriam luzes celestes, os seráficos
ardores e as graças da mais sublime perfeição.
(texto retirado e atualizado da Revista Echo
Seraphico, Ano VI, março de 1917, nº3)
Quadro de uma das estações do
conjunto da Via-sacra pertencente ao acervo da Venerável Ordem Terceira de São
Franciso da Penitência da Cidade de São Paulo. Local: Igreja das Chagas, Largo
de São Francisco, São Paulo-SP
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