Imaculada Conceição da Virgem Maria
A presente festa celebra a fé da Igreja, de que Maria não conheceu o pecado original, para que fosse digna Mãe do Filho de Deus. Esta intuição, porém, não é apenas mariológica, mas também eclesiológica e escatológica, no sentido de que Maria antecipa, assim, o estado de inocência ao qual todos somos chamados (2ª leitura); ela é a primícia da Igreja, que, como ela, deve realizar a figura da “esposa sem ruga nem mancha” do esposo escatológico – embora seus membros, na atualidade terrestre, não sejam bem assim.Maria é, portanto, a única exceção da participação universal do pecado, que reina desde o pecado de Adão, o “pecado das origens” (pecado original). Nela e em sua prole, a Igreja viu a plenitude daquilo que está prefigurado em Gn 3,9-15 (1ª leitura): a mulher e sua descendência, pisando aos pés a cabeça da serpente, encarnação da tentação pecaminosa. Assim, Maria é a nova Eva, conforme a exegese alegórica dos Santos Padres: “Ave, Eva”.
O importante, porém, é interpretarmos o dogma da Imaculada Conceição como uma realidade teológica e soteriológica. “Achaste graças diante de Deus” (Evangelho). Quem quis Maria sem pecado foi Deus. Assim como a nossa participação no pecado da humanidade não é algo que queremos, propriamente, assim também a liberdade de Maria com relação ao pecado não é obra sua, mas de Deus, ainda que ex praevisis meritis. Ou, em outros termos, na indescritível variedade de situações humanas, realizou-se também – assim acreditamos – a realidade de uma existência não manchada pela solidariedade pecaminosa do pecado original, situação realizada por Deus e vivida por Maria como vocação específica de dar ao mundo o Filho de Deus. A graça que Maria recebeu é, ao mesmo tempo, sua missão. E conhecemos a resposta de Maria: “Eis a serva do Senhor” (evangelho). Torna-se assim intimamente solidária com aquele que será o Servo por excelência.
O mistério da Imaculada Conceição é o mistério da perfeita pertença à santidade de Deus, que é o núcleo também da santidade da Igreja e o futuro ao qual todos nós somos chamados. Em Maria, este futuro já é passado. Por isso, o prefácio de hoje a chama de “primícias da Igreja”.
Observemos ainda que ninguém se pode deixar confundir pela mensagem principal do evangelho de hoje, escolhido por causa das frases acima destacadas. Na realidade, este evangelho não narra a Imaculada Conceição de Maria, que não vem afirmada tal qual na Bíblia, mas é uma intuição da fé da Igreja. O evangelho narra a vocação de Maria para ser mãe do filho de Deus, pela força do Espírito Santo (e em vista disso, acreditamos, ela mesma foi concebida e nasceu sem a mancha que acompanha toda a humanidade). Há pessoas que confundem Imaculada Conceição com Maternidade Virginal. São duas coisas bem distintas, e a confusão talvez provenha de um (inconsciente) sentimento de culpabilidade do ato procriador humano. Colocam na mesma linha Maria permanecer virgem na concepção de Jesus e ela mesma ser sem pecado, como se fosse pecado conceber um filho sem permanecer virgem … Será útil esclarecer ao povo que a concepção de Maria mesma (por sua mãe Ana) não foi virginal, mas, ao ser concebida por Ana, Maria não ficou marcada pelo pecado de Adão. (Virginal, sim, foi a concepção de Jesus por Maria.)
Os cantos insistem no misterioso júbilo (canto da entrada) e no agir gracioso e gratuito de Deus (salmo responsorial). Este último tema merece atenção especial. Uma das razões por que certas pessoas se sentem constrangi das diante do dogma da Imaculada Conceição é o fato de Maria se tomar assim uma exceção. Não aguentam outra pessoa ser melhor e mais inocente do que elas próprias. Todos nós incorremos facilmente no perigo de tal inveja. Não aceitamos que Deus faça exceções, nem mesmo para o bem de todos. Não aceitamos que Deus saia da regra, que ele faça algo realmente gratuito, que não precisava ser assim, conforme a regra geral. E, contudo, é na graça – naquilo que é gratuito, não obrigatório – que Deus se manifesta. Aceitar que Maria, desde o início, foi melhor do que nós, talvez nos ajude a aceitar que também outras pessoas possam ser melhores do que nós mesmos.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Fonte: Site dos franciscanos
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