Felizes aqueles que podem viver intensa e profundamente a liturgia da sexta-feira da paixão e morte do Senhor. Conseguem louvar o Altíssimo, ficam pasmos diante de tanta dor e de tanto amor da parte de Jesus e mostram gratidão ao protagonizou tanta dor e tanto amor. Felizes aqueles que se associam à morte daquele grão de trigo, dos que vivem depois da morte do grão.
Na sexta-feira das dores ressoam aos nossos ouvidos muitas palavras da Escritura.
“Ei-lo, meu servo será bem-sucedido: sua ascensão será ao mais alto grau. Assim como muitos ficaram pasmados ao vê-lo – tão desfigurado ele estava, que não parecia ser um homem ou ter aspecto humano (…). Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse. Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele tapávamos o rosto, tão desprezível era, não fazíamos caso dele. (…). Foi maltratado e submeteu-se; não abriu a boca; como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha diante dos que a tosquiam, ele não abriu a boca” (Isaías 52,13-14;3-53,3,7).
Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único para que todo o que nele creia tenha a vida eterna” (João 3,26).
“Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos” (João 15,3).
“O Pai me enviou para que não se perca nenhum daqueles que me confiou” (João 6,39).
“Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu. Mas na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hebreus 5, 8-9).
Para além da torrente do Cedron, aquele jardim cheio de oliveiras! Getsêmani: dor e solidão. Os três apóstolos deixam-no só. Não vigiam com ele. Ele aconselha veementemente que vigiem e orem… E chegam aqueles que deviam prendê-lo. Jesus avança: “A quem procurais?” Pois este sou eu. Esse “sou eu” lembra a sarça ardente quando Deus se revela como aquele que é “eu sou”. Começa o jogo de entrega. Judas entrega Jesus ao sumo sacerdote, depois a Pilatos, em seguida a Herodes e de volta a Pilatos. Pilatos o entrega à morte e ele se entrega a Deus, entrega de amor para que surjam as sementes de um mundo a ser construído por todos os que morrem com ele e com ressuscitam. Nós, carregamos em vasos frágeis essas sementes para que o mundo se renove…
Verdade que, ao pé da cruz, estava a Mãe do condenado e algumas mulheres. Mas aquele momento era de intensíssima solidão. Em Getsêmani os apóstolos dormiam, ao pé da cruz se dispensaram. Sozinho, falsamente acusado, mas sem defesa. Judas o traira e Pedro o negara. Um homem de solidão. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”
“Durante o julgamento a Sabedoria se cala e a Palavra nada diz. Seus inimigos o desprezam e o pregam na cruz. Imediatamente as forças da natureza são sacudidas, foge o dia e noite avança. Vestem-no de trajes ridículos e ele é crucificado entre dois ladrões. Aqueles aos quais ele havia dado na véspera seu corpo em alimento o observam de longe. Pedro, o primeiro dos apóstolos é o primeiro a fugir. André foge também. O próprio João que havia reclinado a cabeça em seu peito não é capaz de impedir que o soldado abra o seu lado com a lança. Os doze se vão. Foram incapazes de dizer uma palavra em seu favor, ele que lhes dava a vida. Lázaro a quem havia restituído a vida não se faz presente, o cego não chorou a morte daquele que lhe havia restituído a vida. O coxo que tinha podido andar com o gesto de Jesus não correu atrás dele. Somente um bandido com ele crucificado, ali ao seu lado, o confessa e o designa de rei para escândalo dos judeus. Ó ladrão, flor precoce da árvore da cruz, primeiro fruto do madeiro do Gólgota” (Santo Efrem).
Não convinha que os corpos ficassem expostos nas cruzes porque no dia seguinte ocorria a grande solenidade. Os soldados quebraram as pernas dos ladrões. Como Jesus estivesse morto tocaram seu lado com a lança. O peito aberto, o lado aberto, o coração exposto. Os mistérios do coração. Água e sangue, fonte dos sacramentos, ninho dos aflitos e desesperados, abrigo para os caminhantes, momento do nascimento da Igreja que é gerada pela água e sangue do Crucificado e do Ressuscitado.
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