São Paulo, 27 de
novembro de 2016.
Caríssimos irmãos,
Advento! É ir ao encontro do Deus que vem!
Natal é a origem da luz! Na fragilidade de uma criança temos a força da
salvação e a luz que se irradia para percorremos o caminho. Quem se encontra
com Deus, usufrui dessa luz, quem tem a luz, não tem mais medo! Deus vem em
nossa direção através do outro cujo rosto não conhecemos.
Advento é tempo de vigilância. Tempo de se comprometer com a vida, com
a nossa vocação. É tempo de decidirmos agora, qual o caminho que queremos
seguir, para que alcancemos nosso objetivo que está lá adiante, pois no fim
será ratificado o que fizemos neste mundo.
Vamos examinar nossas consciências, sairmos da rotina, buscarmos o
silêncio, a quietude para nos esvaziarmos de tantas inutilidade em
nossas mentes e corações e darmos espaço para o Menino Deus que vem nos
iluminar com sua luz.
E para melhor refletir, transcrevo a crônica de Frei Isidro Pereira
Lamelas, ofm, que numa linguagem leve e divertida nos ajudará na preparação
deste Advento.
Que o menino das Palhas os abençoe.
Antonio Julio Martins
Ministro Regional
Primeira Conferência dos Animais do Presépio
Os animais do presépio resolveram
reunir-se, para celebrar 2016 anos de serviço assíduo como figurantes no cenário
da noite de Belém.
Depois de terem acertado que
seria o galo a moderar o encontro, este começou por saudar todos os presentes,
recordando a singular hora que era para todos, o fato de o Rei dos Reis ter
nascido entre os animais que, mais uma vez, se reuniam no presépio, para
celebrar a noite mais importante das suas vidas. Logo em seguida, exortou a que
cada um falasse da sua experiência naquela noite e do que resta desse
acontecimento em nossos dias.
Teve então início o seguinte
colóquio de que tomou nota o próprio galo que, com pena fiel, ia redigindo tudo
o que se passava e dizia.
- Para ti, cachorro, o que foi e
o que significa o natal? Perguntou o galo àquele que dizem ser “o melhor amigo
do homem”.
- Lembro-me como se fosse hoje,
daquela noite mágica em que tudo parou para contemplar uma estrela
especialmente luminosa. Nessa noite nem eu nem as ovelhas do rebanho que
estavam a meu cuidado sentimos frio; pressentíamos, isso sim, que algo de
extraordinário estava para acontecer e que tudo ia mudar para melhor. Mas
passaram os anos e os séculos, e o natal continua a ser para muitos uma noite
fria em que muitas “ovelhas sem pastor” continuam a dormir ao relento, por não
haver teto nem lugar para elas. Fico triste ao ver que o lobo continua a aterrorizar
o cordeiro e a onça não deixa dormir sossegados, os cabritos. E aqueles que se
consideram animais mais racionais do que nós, continuam a comportar-se pouco
razoavelmente: gostam muito que sejamos seus “fiéis amigos”, mas não são amigos
fiéis uns dos outros. Organizam conferências para melhorar o clima da terra,
mas não se preocupam muito em melhorar o clima humano que em Belém nos foi
prometido.
- Estou totalmente de acordo -
interrompeu o galo, para evitar que o cachorro, conhecido por gostar de ficar
com a língua de fora, se alongasse. E, como nunca gostou de ser o último, logo
aproveitou para dar seu testemunho:
- Recordo que eu fui dos que
assisti mais de perto a esse acontecimento singular. Coube-me mesmo o
privilégio de servir de sentinela no estábulo em que o Salvador nasceu. E foi
algo de inenarrável: por toda a parte se ouviam melodias que mais pareciam vir
do céu, nesse dia resolvi não dar o habitual sinal de alvorada, para não
acordar aquele encantador Menino, mas também porque tanto desejava que aquela
noite nunca acabasse e a magia e paz daquele Menino se prolongassem pelos
séculos. Mas não foi o que aconteceu. Muitos o ignoraram, alguns negaram-no
antes do cantar do galo, outros até reconhecem que “outro galo cantaria” se o
natal não fosse um dia. Mas todos querem é o poleiro e estar acima dos demais.
Muitos cantam de galo com o papo cheio, enquanto outros passam fome; tantos são
vítimas de injustiças que bradam aos céus e nós calamos o bico. E mesmo os que
se dizem mais piedosos, confundem frequentemente a Missa do Galo com o galo da
mesa. Por isso e lamentavelmente é que o Natal é uma noite como as outras, em
que as raposas matreiras continuam a rondar as capoeiras e a ameaçar os mais
fracos e inocentes. E o pior é que já ninguém escuta o nosso canto matinal,
para não despertarem das trevas em que vivem…
Foi então a vez da ovelha mais
velha entrar na conversa.
- Eu não gosto muito de falar,
pois, como se diz no rebanho, “ovelha que berra, bocada que perde”. Mas sobre
aquela noite não posso realmente calar. Todas as do nosso rebanho nunca mais
esqueceremos. Foi tal a emoção que, a certa altura demos conosco a balir a
mesma melodia dos anjos e a doces palavras “Menino de Belém”. Foi uma
experiência de paz única. Pela primeira vez na nossa vida sentíamos que,
afinal, não havia ovelhas “com defeito” nem mais haveria ovelhas perdidas. Mas
tenho que confessar que os Natais de hoje estão muito longe daquilo que outrora
sonhamos. Continua a haver discriminação entre as ovelhas “negras” e as que se
consideram de melhor raça; continua a haver ovelhas que são tosquiadas e
levadas ao matadouro sem direito de defesa; cordeiros inocentes que não têm voz
nem vez são devorados pelos lobos que atacam sempre os mais fracos; há entre
nós muitas feridas e sofrimentos que ninguém cuida nem cura; muitos dos
pastores que dizem servir o rebanho, servem-se
é dele como ditadores que, em vez de cuidar das suas ovelhas, as exploram
quanto podem. Ora isto não tem realmente nada a ver com o que aquela noite
prometia.
Foi então que, do meio do
rebanho, se ouviu a voz grave do carneiro, que estava ansioso por marcar a sua
posição hierárquica:
- Por mim, acho que estamos muito
pessimistas. Temos que ser práticos e realistas. Afinal o mundo sempre foi
assim: uns são mais fortes, outros mais fracos; uns mandam, outros obedecem;
uns dão a lã, outros tosquiam, uns vendem outros compram; uns têm mais, outros
menos… O mundo está feito assim e não é uma numa noite especial ou da noite
para o dia que isso se vai alterar. Por mais que nos custe, “bodes expiatórios”
sempre existiu e continuará a existir. Portanto, desfrutemos a poesia do natal
possível já que aquele que os profetas prometeram não é para este mundo nem é
para nós.
E tu, camelo, que estás tão
calado, tu que és tão viajado, o que é que tens para nos contar sobre o natal?
Perguntou o carneiro na esperança de encontrar uma voz concordante com o seu
depoimento.
- Estava mesmo ansioso para
entrar na conversa, pois vejo-vos todos muito pessimistas.
- Para mim, o Natal é uma época
muito legal: grandes viagens, carregar presentes daqui para ali, caravanas e
filas nas estradas e nas lojas dos presentes. É um stress e cansaço danado, mas
ajuda a esquecer os maus momentos da vida. É verdade que ultimamente querem nos
substituir por umas renas incompetentes ao serviço de um intrometido velho
barbudo. Mas é, como se diz agora, a concorrência da globalização. A nós
camelos, ninguém nos tira o privilégio exclusivo de ter levado os Magos ao
curral de Belém com os mais valiosos presentes do mundo. Só lamento que muitos
continuem a não perceber que estamos todos fazendo a mesma viagem,
independentemente da cor, raça ou cultura que transportamos conosco. Mas, com
paciência, lá chegaremos!
Por falar em curral - moderou o
galo – há aqui alguém que, de certeza, terá muito que contar: refiro-me aos
nossos amigos burro e vaca que assistiram a tudo muito de perto. Ninguém como
vós, com certeza, nos pode falar do Natal!
Ao ouvir, a vaca despertou do seu
ar meditativo para proferir a opinião que ia ruminando à medida que escutava a
conversa dos outros animais:
- Para mim o Natal é uma noite
muito especial e cheia de memórias muito alegres: Nunca poderei esquecer a
beleza e bondade daquele Menino que, ao nascer no nosso estábulo, nos veio
ensinar que para todos deve haver um lugar digno neste mundo. Ele nasceu na
nossa manjedoura para ser alimento para todas as vidas e para que a nenhum ser
vivo falte o alimento. Porém, ao mesmo tempo, também ando muitas vezes com este
ar triste por lembrar que continua a haver quem passe fome, quem não tenha um
teto, quem não encontre amigos dispostos a aquecer suas noites frias… e ainda
por cima nos chamam a nós “vacas loucas”! Mas logo me alegro ao pensar que tão
ilustre Menino nasceu realmente entre nós, na nossa manjedoura, no coração da
nossa vida. É pena que nem todos o reconheçam como nós o conhecemos, o nosso
dono; lamento que em vez de arados se continuem a fabricar armas; é triste que
o bezerro e o leão não possam conviver em paz e que a vitela e a ursa não
possam pastar juntas. Tantas vezes dou comigo a ruminar porque é que, se aqui
no Presépio todos convivemos em harmonia e respeito, ainda se constroem muros
de separação entre nós, porque não sabemos conviver em paz. De qualquer modo,
sinto-me muito feliz por poder partilhar o meu feno com o burro, e aquecer com
minha companhia as noites frias dos que nos batem à porta.
Chegou então a vez do burro que,
mantendo o seu ar meditativo, sussurrou:
- Eu só tenho dizer bem do Natal
e não me importo nada de passar por “burro” todo o ano só para ter este lugar
de destaque no Presépio e na bela história do Natal. Não compreendo porque
tantos se lamentam pelo “peso” da vida, pelos trabalhos e cargas que ela
implica. Eu, que não me considero mais inteligente que os outros, há muito
percebi que o verdadeiro significado do Natal é o Menino que nasceu na
manjedoura e não me venham dizer que é “burrice” saber distinguir a palha do
grão ou os embrulhos do presente de Deus que é esse Menino, que assim nasceu
para nos dar uma grande lição: Se depois de tantos séculos o Presépio continua
a ser a mais bela representação da vida e da criação, então esse Menino deve
estar não apenas nas Igrejas, mas nas mesas e nos altares de todas as criaturas
de boa vontade.
E como a hora se ia adiantando, o
galo retomou a sua tarefa de moderador para concluir, com o seguinte comunicado
final para enviar a todo o reino animal:
- Parece realmente verdade que o Natal não é bem como Jesus quis, ou
como todos nós desejávamos. Talvez por isso, o Filho muito amado do nosso
Criador quis nascer entre nós suas criaturas, ainda que dotadas de pouca razão.
Afinal que adianta ter razão quando não se usa! Seja como for, para o ano e
todos os anos aqui estaremos de novo nesta quadra de Natal para mostrarmos aos
outros animais que se julgam mais racionais: Primeiro, que o Menino que vimos
nascer em Belém não gosta muito de vitrines nem de presentes que não sejam
naturais; segundo, que Ele não está à venda no mercado das religiões, nem é
marca registrada de ninguém. Na verdade, Ele é o “Deus entre nós”, que se dá de
graça a todos e mormente: a quantos O acolhem com a alegria das aves e dos
anjos; aos que O buscam com a fidelidade e o afeto dos cachorros e dos pastores
de rebanhos e de sonhos; a quantos O imitam com a mansidão dos cordeiros e dos
servos de Javé; aos que O seguem com a bondade laboriosa dos jumentos e dos que
carregam os fardos do próximo; e aos que O anunciam com a paciência e
itinerância dos camelos e peregrinos de longos caminhos.
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